Eu Não Sou Seu Negro
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Raoul Peck
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I Am Not Your Negro
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2016
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EUA / Suíça / França / Bélgica
Crítica
Leitores
Sinopse
James Baldwin não conseguiu terminar de escrever o livro Remember This House, sobre a vida e morte de alguns amigos, como Medgar Evers, Malcolm X e Martin Luther King Junior. Adiante, esse manuscrito inacabado foi confiado ao diretor Raoul Peck.
Crítica
O romancista, dramaturgo, ensaísta, poeta e ativista James Baldwin (1924 – 1987) foi reconhecidamente uma das vozes mais respeitadas e relevantes no debate sobre a questão racial nos EUA. Entre suas diversas obras, até hoje tidas como referência sobre o assunto, está Remember This House, projeto não finalizado de um romance que visava traçar um panorama sobre o conflito de raças na América moderna a partir dos assassinatos de três dos principais líderes negros da história, todos amigos próximos com os quais Baldwin convivera: Medgar Evers, Malcolm X e Martin Luther King. Das trinta páginas escritas para o livro, em 1979, além de cartas e outros textos do autor, é que o cineasta de origem haitiana, Raoul Peck, extrai o fio condutor para seu documentário Eu Não Sou Seu Negro.
Ainda que haja um aspecto biográfico inerente ao material, pois Baldwin se utiliza de relatos extremamente pessoais para expor sua compreensão do que é ser negro em seu país, Peck não visa retratar sua trajetória através de uma estrutura linear e convencional, mas, sim, realizar um mergulho profundo em sua mente e ideias. Alguns fatos da vida do autor são pontuados, como o breve relance sobre sua sexualidade, apontada na investigação do FBI comandada por J. Edgar Hoover, que o classificou como uma potencial ameaça, mas o foco do longa é mesmo na reflexão sobre seus pensamentos. Contando com o cuidadoso trabalho da montadora Alexandra Strauss, o cineasta opta por uma narrativa associativa, cujo fluxo de imagens não só traduz literalmente as palavras escritas por Baldwin, como também busca externar os sentimentos nelas implícitos.
A emotividade surge de modo intenso e natural, especialmente quando Baldwin relembra os momentos em que recebeu a notícia da morte de cada um dos amigos. O olhar íntimo lançado sobre a relação com Medgar, Malcolm e Martin faz com que a imagem dos ícones históricos que se tornaram seja substituída pela dos homens que foram. Ao falar sobre eles, Baldwin também reafirma seu posicionamento dentro das diferentes vertentes do movimento social afro-americano: não sendo tão radical quanto Malcolm X ou os Panteras Negras, nem adotando a postura considerada por muitos demasiadamente “passiva” de Luther King. Peck ilustra habilmente o discurso de Baldwin, porém, é mesmo através da figura do próprio autor – em aparições na TV, como no programa de Dick Cavett – que este demonstra seu verdadeiro poder.
Dono de uma presença marcante, físico esguio e elegante, feições peculiares – de sorriso largo e olhos saltados, vivos – Baldwin apresenta uma fala sempre segura, de uma eloquência arrebatadora. Mesmo nos embates mais acalorados, o autor nunca se exalta, o que não significa deixar de ser contundente, e imprime a cada palavra proferida uma dose de passionalidade e poesia. Todas essas qualidades são transmitidas também pela brilhante narração de Samuel L. Jackson, que dá vida aos textos de Baldwin de maneira incisiva, sem tentar emulá-lo, acabando por se afastar também de sua persona cinematográfica. Cada tópico é discutido com extrema propriedade, e suas conclusões geram impacto justamente por parecerem tão evidentes. Nessa reconstrução do curso do preconceito intrínseco à sociedade americana, o papel da arte, particularmente do cinema hollywoodiano, ganha um importante destaque.
Para isso, Baldwin regressa à sua infância, afirmando que raramente pôde se identificar nas telas, já que poucos atores negros obtinham papéis de destaque, ou eram relegados às representações criadas pelos brancos: o negro dócil, prestativo, apático, como o protagonista de A Cabana do Pai Tomás (1927). Ou o negro selvagem, ameaçador, como os integrantes da tribo de King Kong (1933). A percepção dos padrões de beleza também é discutida – quando Baldwin relata a atração por uma mulher de seu bairro que, mesmo negra, lhe lembrava Joan Crawford em Quando o Mundo Dança (1931) – assim como a constatação perturbadora de que o símbolo máximo do heroísmo, John Wayne, lutando contra os índios em seus faroestes, carregava também a noção de que seus próprios conterrâneos eram considerados inimigos, e que é desta forma que os negros são vistos por parte dos brancos.
Peck dedica um bom tempo também à análise de Baldwin dos filmes de Sidney Poitier, o grande astro negro da época, que quebrou diversas barreiras ao se tornar um protagonista. As leituras distintas destas obras revelam muito sobre a institucionalização do papel do negro na história, como em Acorrentados (1958), por exemplo, no momento em que o personagem de Poitier rejeita a possibilidade de liberdade para não abandonar o companheiro de fuga, Tony Curtis, simboliza a resolução mais confortável, e aceitável, para o público branco: o sacrifício do negro. Já em No Calor da Noite (1967), Baldwin vê a despedida final de Poitier e Rod Steiger como um “beijo espiritual”, uma aproximação entre as raças.
A propagação do pensamento racista através dos meios artísticos apenas contribui para a visão pouco esperançosa que Baldwin fazia do futuro, não acreditando que as coisas mudariam de fato. Afirmações que ganham contornos quase proféticos quando Peck as contrapõe com imagens de eventos como a da violência policial do caso Rodney King ou dos conflitos em Ferguson, todos ocorridos após a morte de Baldwin, demonstrando que os Estados Unidos evoluíram muito pouco em relação ao assunto. Em sua conclusão taxativa, o autor aponta que o conceito de ter de lutar por seus direitos já denota um pensamento de desigualdade, de não ser visto como um homem e sim como um negro, e que se os brancos o enxergam assim é porque precisam da figura do negro – seja por medo ou algum outro motivo. E enquanto não conseguirem encontrar tal razão, tudo continuará como está.
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