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Crítica


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Sinopse

Uma jovem não consegue provar para o sistema que não é um robô. Isolada do mundo, ela passa a travar um diálogo existencialista com uma mosca gigante que entrou em seu apartamento em busca de restos orgânicos para comer.

Crítica

Atire a primeira pedra quem nunca teve problemas para seguir adiante com aqueles testes de ReCAPTCHA, cuja função é pretensamente distinguir humanos de androides/máquinas/bots. Em Eu Não Sou um Robô, Tânia (Gabriela Lamas, diretora do curta-metragem) é impedida de oferecer provas quanto ao fato de ser gente, com isso tendo seu fluxo da navegação interrompido. O filme não esclarece qual é a missão virtual abortada, se uma compra na internet ou, talvez, a verificação de um dado vital. Importante é perceber como esse obstáculo contemporâneo recorrente joga a protagonista numa espécie de vazio existencial. Ali, ela se apega à presença de uma mosca gigante com quem dialoga a respeito de frugalidades, mas também sobre complexas constituições sociais. Há um clima de fábula, de irrealidade, muito bem delineado pela composição dos quadros, vide a forma como os personagens são dispostos e organizados nos planos. A fotografia de Lívia Pasqual é imprescindível para o sucesso dessa atmosfera que beira o onírico, indeterminada por natureza.

Eu Não Sou um Robô não escancara a lógica do isolamento social por conta da pandemia da Covid-19. No entanto, a protagonista está sozinha antes de ganhar a companhia insólita da Mosca (Maurilio Almeida). O animal antropomorfizado tem uma voz compreensível à personagem, mas ao espectador apenas por força da presença providencial das legendas. As falas são extraídas de textos combinados. No encerramento, outros timbres repetem o que a personagem falou. O dispositivo acentua a sensação de que Tânia funciona como uma espécie de catalisadora de anseios e dúvidas heterogêneas. Porém, nada é muito esmiuçado/ilustrado. Estamos diante de pequenos recortes justapostos com o intuito de provocar sensações de desconforto e curiosidade, bem mais do que propriamente empenhados em criar precisos espaços de discussão. Tânia é capaz de mencionar um sonho louco, as banalidades de um episódio com amigos e reagir friamente à morte da vizinha.

Diferentemente da humana, a mosca é livre para ultrapassar os limites do apartamento. Talvez por essa autonomia não sublinhada, mas perceptível nas entrelinhas, ela tenha um discurso menos alienado/robotizado. Enquanto Tânia queima tempo discorrendo acerca de temas pré-formatados, aproximando-se do automatismo que inicialmente nega, o animal demonstra compreensão da situação do entorno assolado pelas lógicas neoliberais que transformam gente em consumidores de dejetos. No plano simbólico, Eu Não Sou um Robô aproxima e distancia simultaneamente seus únicos personagens, em meio a isso apresentando os traumatismos da contemporaneidade na estrutura de pensamento juvenil. Não estamos diante de um filme empenhado em desenhar mensagens, mas que oferece algumas durante a interação dos dois seres. De um lado, a desorientada por conta do isolamento e da incapacidade de afirmar-se totalmente não robótica; do outro, o capturado pela verborragia meio desarticulada dessa mulher apartada e confinada.

Gabriela Lamas havia anteriormente, com o premiado Sesmaria (2015), pensado o presente como um terreno hostil para alguns, para isso estabelecendo uma afetiva conexão com o passado. Como alguém nascido em criado no interior profundo se encaixaria no mundo hiperconectado, potencialmente inclinado à prevalência das lógicas metropolitanas? Já com Eu Não Sou um Robô, ela faz um movimento diferente, à frente, partindo de um presente quase distópico, apontando inevitavelmente a um futuro não menos indecifrável e potencialmente apocalíptico. Em que pese a qualidade do texto para fazer da protagonista um sintoma semi-letárgico naturalizado, a despeito de lampejos de vivacidade e curiosidade, o filme atribui demasiadamente à palavra a sua principal potência dramática. Em alguns momentos, a torrente de histórias, questionamentos e afins soa um tanto repetitiva. Essa reincidência atenta apropriadamente à lógica da mecanização, mas às vezes gera um cansaço. Mesmo assim, estamos diante de um cinema propositivo, que arrisca e experimenta.

Filme assistido online no 14º Cine Esquema Novo, em abril de 2021.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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