Crítica
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Sinopse
Cauby tem 40 anos, trabalha como fotógrafo de uma revista semanal e resolveu trocar São Paulo pelo interior do Pará. Cético em relação ao amor e devotado à beleza, ele encontra num lindo cenário amazônico a bela e instável Lavínia, mulher do pastor Ernani, homem que acredita ser possível consertar as contradições humanas. Mas no interior do país ainda existem lugares onde a honra se lava com sangue e Cauby não imaginava que acabaria envolvido num triângulo amoroso imprevisível, fazendo com que ele perdesse o controle da própria vida.
Crítica
Cauby é um homem “sem eira nem beira”, perdido no mundo. Já morou em Paris, tem uma irmã vivendo nos Estados Unidos, não tem mais os pais, trabalhou durante muito tempo como free lancer para revistas e jornais e agora sobrevive de uma bolsa que ganhou para fotografar os cenários e as pessoas do extremo norte brasileiro. Lavínia perdeu o pai muito cedo, era ignorada pela mãe viciada e foi abusada pelo padrasto quando adolescente. A única pessoa que lhe deu um carinho na infância foi a avó, que não durou muito. Logo se deu conta de que seu destino estava nas ruas, e foi lá que começou a fazer a vida. Cada novo programa ao mesmo tempo em que alimentava seu ego, esvaziava a alma. Ernani foi funcionário público a vida inteira. Sem filhos, ficou sem rumo quando a mulher morreu, ainda na meia idade. Encontrou um novo ânimo na igreja. Virou pastor e passou a defender e divulgar a palavra do Nosso Senhor pelos lugares mais ermos do país.
Cauby, Lavínia e Ernani formam o triângulo amoroso que compõe o centro da narrativa de Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios, o mais recente longa dirigido em conjunto com Beto Brant e Renato Ciasca, adaptado do romance de Marçal Aquino. O problema que tudo que foi descrito no primeiro parágrafo deste texto não está no filme, e sim somente no livro. Somos apresentados aos três personagens, porém sem saber quem são, de onde vem, para onde vão e o que querem. Suas motivações, desejos, medos e ambições são delineadas lentamente e se aprofundam em apenas alguns detalhes bastante específicos. E essa diferença é, ao mesmo tempo, o ponto forte e fraco da obra. É importante essa mudança pois se torna independente da origem, surgindo como algo novo e independente, com personalidade própria e resoluta em si só. Ao mesmo tempo em que se ressente diante dos que insistirem em uma comparação com a base literária. Há muito em semelhança entre os dois, mas há ainda mais em elementos que os distanciam.
Estamos em Santarém, lugar sem lei, sem esperança e sem futuro. Cauby está lá com sua câmera fotográfica, buscando uma imagem, um registro que o tire do comum. Tudo muda quando Lavínia cruza seu caminho. Ela entra e sai de sua casa, cada vez dominada por um fogo diferente. Uma hora é Lavínia, carinhosa, pudica, temerária dos pecados que comete e ressentida pelo passado. Noutro instante temos Shirley, fogosa, espontânea, apaixonada, sexy e carente. Cauby se equilibra entre as duas, até descobrir que ela é casada com Ernani, o pastor. Os dois homens não se conhecem, e a única coisa em comum entre eles é ela. Mas a cidade é pequena, e nenhum segredo se mantém por muito tempo. Há ainda os fiéis, os enxeridos, os fofoqueiros, os infelizes, os intrometidos. Cauby precisa ir embora. Lavínia quer ir com ele, mas não pode abandonar Ernani. O ideal seria se ela fosse, de fato, duas. E o que acontece quando uma mente se encontra tão dividida?
Beto Brant e Renato Ciasca dirigiram juntos o ótimo e introspectivo Cão sem Dono (2007), mas a parceria dos dois começou em Ação entre Amigos (1998), dirigido pelo primeiro e produzido pelo segundo. Ao lado deles sempre esteve Marçal Aquino, ou servindo como inspiração com seus textos ou atuando como roteirista. Os três estão aqui novamente reunidos, mas este filme tem apenas um dono: Camila Pitanga. A atriz, em sua curta carreira no cinema, nunca havia recebido uma oportunidade tão gratificante quanto essa. Ela faz de Lavínia um dos personagens mais emblemáticos do atual cinema brasileiro, defendendo-a com paixão e ardor. Cada vez em que aparece surge no espectador a dúvida: qual Lavínia iremos encontrar? E ao mesmo tempo estamos sempre diante da mesma, intensa, multifacetada e explosiva. Sua entrega é total, e ter ao lado atores experientes como Zécarlos Machado (Ernani) e Gustavo Machado (Cauby) certamente facilitou o processo. Os três estão ótimos, e se o enredo em si se perde em alguns momentos pelo excesso de elipses e tramas paralelas, nada pode ser dito em contrário ao desempenho dos protagonistas.
Eu receberia as piores notícias de seus lindos lábios é cinema brasileiro de qualidade. Mesmo assim, teria muito a ganhar caso não tivesse ficado no meio do caminho durante o processo de adaptação. Se fosse mais fiel ao livro, contentaria com maior efetividade aqueles já familiarizados com a história. Por outro lado, se a tivesse usado apenas como mera inspiração e apostado numa recriação por completo, a nível de expectativa se diminuiria e o bom impacto com a obra final seria ainda maior. De qualquer forma temos um trabalho maduro e adulto, sem pudores nem vergonhas, sobre amores irreversíveis que buscam o final feliz dentro das escassas possibilidades apresentadas. Aqui o certo está nas linhas tortas, e todos devem percorrer longos percursos até que essa conclusão se faça evidente, em ambos os lados da tela.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Robledo Milani | 7 |
Marcelo Müller | 8 |
Wallace Andrioli | 9 |
Thomas Boeira | 8 |
Edu Fernandes | 7 |
Bianca Zasso | 7 |
Francisco Carbone | 9 |
MÉDIA | 7.9 |
Gostei da sua crítica. Mas acho que livro é livro e filme é filme. Em pouco mais de uma hora e meia, foi feito o filme possível, acho eu. Também senti falta de alguns pontos importantes do livro. Abs.