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Sinopse

Bart possui um relacionamento conturbado com seu pai, que sempre o tratou de maneira dura e nunca entendeu o amor do filho pela música. Juntando suas forças através da religião, Bart resolveu eternizar essa relação em uma canção.

Crítica

Uma regra que qualquer bom dramaturgo conhece de cor e salteado é que se a realidade não possui compromisso algum com a verossimilhança, com a ficção a questão é completamente diferente. Ou seja, coincidências e absurdos acontecem a todo instante em nossas vidas, e por mais que derrubem nossos queixos, não podemos argumentar contra: afinal, existiram, e, por isso, são irrefutáveis. Agora, ao transpor estes mesmos episódios para qualquer forma de manifestação artística – seja um livro, uma peça de teatro, um episódio de televisão, uma radionovela ou, no caso, um filme – é preciso adaptá-lo, ou seja, torná-lo crível. Este, também, é o primeiro erro que incorre a cinebiografia Eu Só Posso Imaginar, que se ocupa de contar a trajetória do cantor e compositor Bart Millard, autor da canção “I Can Only Imagine”, primeiro sucesso da banda gospel MercyMe. Porém, a despeito deste e dos tantos outros problemas que este filme apresenta, algo é ainda mais crucial: sua completa irrelevância cultural no Brasil.

A banda MercyMe é tão popular no Brasil que absolutamente nenhum dos seus CDs encontram-se disponíveis no momento nas maiores lojas do ramo do país. E a canção “I Can Only Imagine”, desde que foi lançada, em 2001, o máximo que conseguiu foi ficar em quinto lugar na parada de Músicas Contemporâneas para Adultos da Billboard, não ficando entre as 50 mais pedidas do gênero Country e além das 70 no ranking geral. Também não recebeu nenhuma indicação ao Grammy, e o máximo que conseguiu foi ganhar dois troféus Dove (?), premiação voltada exclusivamente para as composições cristãs. Como se percebe, portanto, sua importância é bastante relativa mesmo nos Estados Unidos, quanto mais em outros lugares pelo mundo.

Mas a questão que parece interessar os irmãos Andrew e Jon Erwin, diretores de Eu Só Posso Imaginar, é mais a letra da canção e os acontecimentos que a tornaram realidade e menos as consequências do seu lançamento – tanto que o filme chega ao fim justamente com a sua primeira apresentação ao vivo. Seria, portanto, essa investigação pelos bastidores mais curiosa? Também não. Afinal, trilhando a mesma cartilha de outras produções de cunho religioso, mais preocupadas em doutrinar para convertidos do que em narrar uma boa história, tudo é absolutamente linear. Garoto é abandonado pela mãe e maltratado pelo pai, até que decide largar tudo para ir atrás do seu sonho de se tornar músico. Logo está liderando uma banda, e no passo seguinte já lota ginásios, a ponto de um empresário aceitar lutar por eles. E quando tudo parece resultar em uma batida no muro, o protagonista precisa apenas colocar no papel aquilo que está sentindo após tanto tempo e esforço. E, assim, nasce a canção que irá mudar sua vida.

É curiosa, por exemplo, a escalação do desconhecido J. Michael Finley para viver o personagem principal, Bart. Com histórico nos palcos da Broadway, ele rapidamente deixa claro ter sido escolhido mais por sua voz do que pelo seu talento dramático. Estrear na tela grande já carregando um filme inteiro nas costas não é um desafio que qualquer um possa encarar sem preocupações, e aqui temos um bom exemplo disso. Sem perfil de galã, dono de um rosto sem expressão e incapaz de transmitir todos os sentimentos que, em tese, está vivendo na trama, ele logo se mostra ser mais uma distração do que um acerto. Mas se não se surpreender com quem nada se espera pode ser algo menor, pior é se deparar com um rosto conhecido como o de Dennis Quaid envolto a tantas caretas e grunhidos que o espectador é levado ao ponto de se perguntar se o astro de sucessos como O Dia Depois de Amanhã (2004) e Longe do Paraíso (2002), há tanto tempo afastado de produções minimamente interessantes, não teria simplesmente desaprendido seu ofício. Vê-lo em cena como esse pai abrutalhado que prefere quebrar um prato na cabeça do filho do que ter uma conversa séria com ele é, no mínimo, constrangedor.

É curioso, também, perceber que um filme que surge a partir da vontade de narrar a origem de uma canção de sucesso (ao menos para um nicho muito específico, digamos) possa ter entre suas maiores falhas, justamente, sua música. A trilha incidental é onipresente, reiterativa e tão intrusiva capaz de irritar os mais atentos, reforçando eventos e menosprezando qualquer poder de percepção da audiência. Algo que, no entanto, encontra eco da decisão os realizadores em verbalizar quase tudo que se passa em cena. “Meu pai foi um monstro”, o garoto precisa dizer, pois todas as cenas dos dois juntos são incapazes de fornecer essa impressão. E a despeito do viés religioso e de diálogos que invariavelmente terminam com um “vou orar por você” ou “tudo o que você precisa e rezar mais”, Eu Só Posso Imaginar ao menos é fiel ao seu título, deixando claro que, com o que tem em mãos e mostra na tela, resta ao espectador apenas sonhar com um bom filme, pois o que encontra, definitivamente, está longe de se enquadrar nessa categoria.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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