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Crítica


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Sinopse

Jovem indígena da etnia Kaiwá, Euller Miller sai de sua aldeia, nos arredores de Dourados (MS), para cursar odontologia no Paraná. Ele deseja entrar em uma universidade pública, e escolhe Curitiba como destino.

Crítica

É no mínimo contraditório (alguns dirão “irônico”) que o cineasta Fernando Severo aponte a uma dicotomia no título desse filme que, evidentemente, se esforça para diminuir fronteiras entre indígenas e brancos. Euller Miller, Kaiowá do Mato Grosso do Sul, se muda para o Paraná a fim de estudar odontologia. Ele é utilizado pelo longa-metragem como uma espécie de símbolo, uma argamassa interligando semelhantes em busca de educação como forma de ampliar horizontes de conhecimento e/ou profissionais. Uma pena que a narrativa seja construída a partir da costura simplória dos depoimentos, inclusive os do protagonista, capturados em vários cenários e momentos distintos. Euller Miller Entre Dois Mundos mostra o jovem se autocompletando em passagens diferentes, e, em semelhante medida, tendo o seu discurso rubricado por amigos, familiares, e pelos estudiosos (brancos) que surgem na telona meramente para confirmar os relatos dos povos originários.

Euller Miller Entre Dois Mundos, então, conta com um arcabouço frágil, dependente dessa interconexão que gera um mosaico apenas funcional e atravessado por um sem número de questões importantes, até urgentes, mas que não são devidamente afrontadas, somente tangenciadas. Euller e os colegas falam acerca da dificuldade de inserção dos indígenas nas instituições de ensino superior, menciona preconceitos, falta de tato dos professores, mas o filme não chega a questionar os motores dessa exclusão. A dimensão familiar e social, ou seja, nesse sentido o micro e o macro, se esbarram, não necessariamente se retroalimentam nessa narrativa dos trancos e barrancos. O próprio protagonista não é lapidado como um personagem consistente, pois o longa permite que as vacilações e as repetições se instaurem de modo contraproducente no percurso estabelecido. Com pouco menos de 20 minutos já é possível entender as suas dificuldades. O resto passa ser reiteração.

Ainda dentro dos temas e meandros acessados timidamente por Euller Miller Entre Dois Mundos está a natureza dinâmica da cultura. A despeito do tanto de vezes em que se menciona o desgaste de uma visão purista, segundo a qual é vetada aos índios a utilização de elementos da cultura branca, sob o risco de perderem sua identidade, não há um aprofundamento nessa perspectiva. Acaba que, por um lado, a observação toma tempo considerável e, por outro, não ganha meios de expansão, pois se avolumam as sentenças parecidas que, somadas, geram sobrepeso. Do ponto de vista da imagem, o documentário incorre em erros primários, como o desfocar desnecessariamente alguém que ladeia outrem completamente focado. Também são prescindíveis as cenas, aspirantes ao acesso de uma dimensão poética, de Euller caminhando em direção ao brilho do sol ou nas ruas da capital paranaense. Sobressai o artificialismo da mera ilustração.

Euller Miller Entre Dois Mundos se esforça para arrefecer o antagonismo entre as culturas indígena e branca, mesmo que em determinados blocos, contradizendo-se, desenhe realidades como aparentemente inconciliáveis. É incômodo, ainda que de certa maneira justificável pelo prisma pedagógico, que especialistas apareçam frequentemente para desfilar conhecimentos acadêmicos. O problema é o efeito de "validação" das palavras dos personagens principais nesse documentário. Ainda que o conteúdo seja bastante elucidativo, que haja consistência nos dizeres dos professores, Fernando Silvero perde uma oportunidade enorme de sublinhar o discurso dos indígenas, ressaltando-os sem a necessidade de apresentar “comprovações” que soam como canhestros selos de asseveração branca. Apesar desses inúmeros problemas, e de uma narrativa entrecortada por toda sorte de solavancos e entraves, dá para pinçar no filme várias interrogações socialmente pertinentes.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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