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Sinopse

Em Evidências do Amor, depois de cantarem em uníssono a música “Evidências” num karaokê, Marco Antônio e Laura se apaixonam. Mas, com o tempo, o relacionamento se desgasta e termina. Passado mais de um ano, Marco Antônio ainda se lembra da ex toda vez em que toca “Evidências”.

Crítica

“Quando eu digo que deixei de te amar
É porque eu te amo
Quando eu digo que não quero mais você
É porque eu te quero”

A contradição que marca o início da canção Evidências, composta por José Augusto e Paulo Sérgio Valle, mas famosa principalmente a partir da interpretação da dupla Chitãozinho & Xororó, está também presente no enredo de Evidências do Amor, longa assinado por Pedro Antônio e dedicado ao pai deste, o também cineasta (e já falecido) Paulo Thiago. Pra começar, veja o casal de protagonistas. Esta é a história de amor de Marco e Laura, interpretados por Fábio Porchat e Sandy Leah. Os dois, aparentemente, não poderiam ser mais anacrônicos quando colocados lado a lado: ele é alto e loiro, um pouco gordinho e de voz esganiçada. Já ela, por sua vez, é miúda e baixinha, de cabelos morenos e voz melodiosa, além de um corpo que parece ser fruto de alguém que a vida inteira tem contado cada caloria ingerida. Seria de se supor, portanto, uma falta de química entre eles – o que de fato se confirma. Mas essa ausência, por outro lado, não chega a ser um problema. Pois o que se tem é um filme sobre a separação, sobre o antes e, principalmente, o depois, e não focado apenas no durante. Um detalhe, mas suficiente para oferecer um diferencial válido de atenção.

“Eu me afasto e me defendo de você
Mas depois me entrego
Faço tipo, falo coisas que não sou
Mas depois eu nego
Mas a verdade
É que eu sou louco por você”

Da mesma forma, não há suspense que Marco e Laura, apesar de separados, se amam e se mostram destinados a passarem o resto dos seus dias juntos. Portanto, a questão não é tanto se eles voltarão um para os braços do outro, mas quando – e por quanto tempo conseguirão ficar separados. Neste ponto, entra o elemento “mágico”, por assim dizer, da trama: após mais de um ano do término do relacionamento, encerrado de forma abrupta por ela por meio de uma mensagem de voz às vésperas do casamento que haviam combinado, ele se vê envolto em um ciclo de resgate, ou seja, de reflexão sobre seu próprio comportamento com sua antiga parceira. E como isso se dá? Por meio da canção... Evidências! Cada vez que ouve um mero acorde do início da música, é imediatamente transportado para um momento do passado de ambos, para uma lembrança necessariamente ruim do que viveram: uma discussão, uma briga, um desentendimento. No começo, não lhe parece haver nenhum sentido nesse movimento. Aos poucos, porém, começa a estudar suas reações e o que gera cada um destes enfrentamentos. E uma autoanálise começa a tomar forma.

“Chega de mentiras
De negar o meu desejo
Eu te quero mais que tudo
Eu preciso do teu beijo
Eu entrego a minha vida”

Se fosse apenas isso, a história elaborada pelo diretor em parceria com os roteiristas Alvaro Campos (com quem trabalhou em Altas Expectativas, 2017) e Luanna Guimarães (Esposa de Aluguel, 2022) corria sério risco de cair em uma armadilha reversa, ou seja, de jogar as responsabilidades (de erros, mas também de acertos) no colo do homem. Mas quando percebe que não conseguirá se ver livre desse ciclo vicioso por conta própria, Marco vai até Laura e descobre que ela também está passando por situação semelhante, porém inversa: suas memórias não são de frustrações, mas de alegrias, celebrações e fina sintonia. Por que decidiu terminar, então, se agora percebe que se davam tão bem? Uma pergunta tão válida quanto a que ele carrega: se tudo era perfeito, como parece lembrar, por quê haviam tantas passagens de irritações e desabafos de um com o outro? Achar esse meio termo, e com ele a fórmula de, enfim, se acertarem, se mostra um esforço de ambos, tanto para o poliana que só via o lado bom das coisas, sem se dar conta de cada escorregada, como também para quem pensava ter colocado um ponto final nessa novela, até perceber que um novo capítulo tem se mostrado cada vez mais viável.

“Diz que é verdade, que tem saudade
Que ainda você pensa muito em mim
Diz que é verdade, que tem saudade
Que ainda você quer viver para mim”

Assim, as escolhas tanto de Porchat, quanto de Sandy, por mais improváveis que possam parecer, se mostram acertadas. Não só por passarem a maior parte do filme afastados um do outro, mas por trazerem consigo os talentos necessários para tornarem seus personagens críveis, ainda que envoltos por uma premissa que foge da realidade. Porchat faz de Marco um tipo similar àquele por ele mesmo visitado em Entre Abelhas (2015), seu primeiro personagem um pouco mais dramático. O comportamento histriônico, a facilidade com que recorre à posição de alívio cômico, o olhar de incredulidade mesmo diante das coisas mais inacreditáveis colaboram para fazer deste um tipo com o qual o espectador consegue se identificar, num nível ou noutro. Já Sandy compartilha com Laura o fato desta ter como ambição profissional a vontade de ser cantora, e qualquer passagem que precisa soltar a voz, seja pela canção presente no título ou mesmo em outras, serve para reforçar esse retrato de uma mulher não confortável consigo mesma, e que precisa lidar com questões mais íntimas antes de se colocar aberta a uma vida conjunta. Profissionais competentes, conseguem superar as adversidades óbvias entregando um casal estranho, mas que de uma forma inesperada, acaba funcionando.

“E nessa loucura de dizer que não te quero
Vou negando as aparências
Disfarçando as evidências
Mas pra que viver fingindo
Se eu não posso enganar meu coração?”

As pistas, portanto, estão espalhadas por todos os lados. E por mais que se esforcem em negar o que lhes é nítido, a reconstrução dessa paixão ganha contornos próximos da audiência, que terá meios para se ver em cada desencontro, frustração, abraço ou recomeço. Evidências do Amor não esconde sua filiação enquanto comédia romântica, trilhando caminhos previsíveis e contando muito com a simpatia do público para fortalecer seus laços, mas é hábil também em ir além do esperado, apostando em uma brincadeira temporal para mostrar quão louco pode ser qualquer tipo de envolvimento romântico, se abrir ao companheiro, ao mesmo tempo em que se luta para não se perder nesse processo. Uma matemática que soa simples, mas na prática é complicada, tanto por seus meandros, como também pelas infinitas possibilidades que cada decisão permite. Leve na medida certa, mas profundo quando necessário, transitando de um extremo a outro com desenvoltura e sem maiores turbulências. Parece pouco, mas às vezes é exatamente o que se precisa.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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