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Crítica


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Sinopse

Allegra é a maior design de jogos do mundo, Ela está testando um novo tipo de interação com base em realidade virtual, mas acaba se tornando alvo de um fanático que deseja manipular o jogo.

Crítica

Nada marca mais uma época do que as pessoas ou feitos que a representaram. A Idade Média, para bem e para mal, carrega a figura da Igreja. O Renascimento e suas artes nos remetem a Sanzio, Michelangelo e Da Vinci. A Idade Moderna se confunde com a ciência e com o novo modelo de pensamento. Ao olhar pelo retrovisor da história, percebe-se a presença ou o vazio na estrada, nunca o acostamento.

É com essa preocupação indireta de síntese que eXistenZ procura transmitir suas primeiras cenas. O cenário está armado. Em uma espécie de conferência para escolhidos – ação que se tornaria cada vez mais comum no mundo da tecnologia – a projetista de jogos de videogame Allegra Geller (Jennifer Jason Leigh) é recebida como celebridade. A fama se justifica pela expectativa de conhecer a nova plataforma virtual desenvolvida por ela. A euforia toma conta da sala. O futuro não pode esperar, ainda mais se pudermos manipulá-lo. A demonstração do jogo está prestes a começar quando a inveja a interrompe. Na tentativa de assassinar a projetista, uma pessoa da plateia dispara uma arma. Os tiros transformam o evento em um caos. O perigo que era eminente, virtual, tornou-se real. Com a confusão, o estagiário do marketing Ted Pikul (Jude Law) acaba por salvar e fugir com Allegra. Ao representar o sujeito alheio à tecnologia e que aos poucos se vê completamente dependente desta, Ted, em ótima interpretação de Law, será personagem fundamental do discurso de eXistenZ.

Ameaçada e sem poder confiar em ninguém, Allegra somente pode testar sua criação se encontrar alguém confiável. Nas circunstâncias, a única pessoa a preencher este perfil é o inofensivo e ingênuo Ted, tão inexperiente no mundo virtual que precisará instalar a “bioporta”, a porta de entrada – a porta para a vida. A tese de eXistenZ é de um ceticismo arrasador: o homem não suporta a vida, por isso busca incessantemente recriá-la. O vazio da existência deveria ser encarado com coragem e resignação, sugeriu Sartre, mas somos fracos inclusive para isso. A cada ano que a ciência nos dá, chamamos equivocadamente por qualidade de vida. No fundo, queremos experimentar a imortalidade e o prazer incondicional. Isto é, queremos reincidir o contrato biológico assinado desde o embrião. Chamamos isso de progresso. O individualismo é de uma covardia atroz.

O clamor por sentido está bem representado na sequência em que Ted e Allegra vão até o posto de gasolina para instalar a bioporta. É amargo, mas somente a esperança de outra vida daria ao frentista (Willem Dafoe) o consolo de que tudo não está perdido. Se você tem um emprego insignificante em uma cidade insignificante, como não se sentir insignificante? Como sentir que não desperdiçou a única chance? Somos atraídos pela ideia de retroceder, refazer, reingressar; superar as falhas em uma nova tentativa ilimitada; fugir da responsabilidade. A possibilidade de consertar no virtual o que saiu errado no real justifica a cena em que Dafoe se ajoelha ao reconhecer Allegra. A reverência faz parte do reconhecimento, da salvação. O rancor, posterior, faz parte da descoberta da falibilidade e da insuficiência do artificial. Não sabemos brincar.

É visível que o filme se desenvolve de maneira menos contundente do que a crítica que propõe. O terceiro ato pode até ser considerado indigno da obra e ser taxado de burocrático e banal. É uma fragilidade menor, porém. Em eXistenZ, a plasticidade cruel envolve o espectador como em boa parte da filmografia do diretor, especialmente até Marcas da Violência (2005). Por detrás das críticas, um plot de ação, clássico da ficção científica, movimenta a trama. O que desestabiliza, em Cronenberg, é o estranhamento de seus personagens. A alternância imprevisível entre o esperado e o inesperado nas ações desconforta. É como olhar-se refletido em um espelho e reconhecer a si apenas parcialmente. À metade nebulosa questionamos se nos pertence ou se é assim que nos enxergam. A resposta pode ser positiva em ambos os casos.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul, e da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Tem formação em Filosofia e em Letras, estudou cinema na Escola Técnica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Acumulou experiências ao trabalhar como produtor, roteirista e assistente de direção de curtas-metragens.
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