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Sinopse

Fabiana é uma caminhoneira que se assumiu transsexual na adolescência. O filme segue a sua rotina semanas antes dela se aposentar, com conversas entre Fabiana e a diretora sobre assuntos como amor, solidão e medo.

Crítica

Fabiana Camila Ferreira tem 56 anos e ganha a vida como caminhoneira. Não suficiente, é transexual. E se o meio profissional em que vive é notoriamente machista, dominado por homens de norte a sul do país, é também conhecido por contar com muito coleguismo, parceria e ajuda – afinal, estão todos no mesmo barco. Mas Fabiana, que se apresenta socialmente como mulher, é vista por muitos ainda como homem. Sua condição provavelmente deve suscitar dúvidas, questionamentos e debates. Mas não em Fabiana, documentário dirigido por Brunna Laboissière. A cineasta, que também assina o roteiro, demonstra, durante os 85 minutos de duração do seu filme, estar mais interessada apenas na pessoa na qual centra o seu olhar, praticamente ignorando o entorno dela. E se essa é uma aposta ousada, também se assume o risco de obter um resultado genérico, que pouco agrega à discussão pelos temas propostos.

Para se ter uma ideia, o termo “transexual” e suas variantes não são expressos em nenhum momento durante Fabiana. Quem ela era antes da transformação, se tinha família ou não, como foi esse processo de se assumir e se encontrar: nada disso parece importar. Mais curioso: Fabiana não só é transexual, como também é lésbica. São duas “ousadias”, portanto, fugindo dos padrões da tal família tradicional brasileira. Outro elemento, no entanto, que mal chega a ser questionado. Ela é quem é, e pronto. Há mais atenção, aqui, em um diálogo por telefone em que a protagonista descobre que sua casa foi assaltada e roubaram seu botijão de gás e os dois cachorros de estimação do que na longa jornada que a levou até a mulher que hoje enfrenta o mundo de cabeça erguida, lutando por seu trabalho e pelo reconhecimento dos seus. Imagina-se que nada disso tenha sido fácil. Ao contrário do mundo cor-de-rosa com o qual aqui nos deparamos.

O Brasil é o país com o maior número de assassinatos motivados por preconceito LGBT de todo o mundo. E os ambientes pelos quais Fabiana circula não são, necessariamente, os mais civilizados e desenvolvidos. Ela está na estrada, cruzando interiores, vivendo pelos subúrbios. Seus prazeres são simples, assim como suas vontades. Tem vontade de comer um prato de quiabo? Pede para a vizinha. Não poderá encontrar os filhos (eles existem?) para as festas de fim de ano, não tem problema: se reúne com a namorada em um rodeio e aproveita os fogos de artifício ao lado de um chopinho. Poucas coisas parecem abalá-la. Ao menos é essa a imagem que somos obrigados a comprar. Mas onde estão as rachaduras, os tropeços, as dificuldades que enfrentou até se tornar a pessoa que é hoje? Afinal, como sabe-se bem, são os erros que nos conduzem aos acertos. É assim comigo, e com você que está lendo. Teria sido diferente com Fabiana?

A personagem escolhida tem seus méritos, assim como qualquer vida não é desprovida de interesse. Basta olhar mais de perto, se aprofundar na intimidade, que cada um irá se revelar dono de sua própria história. O que falta ao filme da estreante Brunna Laboissière é justamente esse mergulho. Mantém-se o tempo todo na superfície. Um comportamento, por vezes, quase irresponsável. Fabiana, querendo ou não, possui um papel social que não pode ser ignorado. Como enfrenta a homofobia? Pelo que passou até fazer valer seu valor? O que a diferencia das milhares de transexuais que, em todo o Brasil, se veem obrigadas a recorrer à prostituição ou a outras atividades ilegais, pelo simples fato de não encontrarem portas abertas que as acolham? Disso, nada ficamos sabendo.

Fabiana poderia ser um grande filme. Infelizmente, a esse o espectador nunca chega a ter acesso. A abordagem é rasa, o discurso é trivial, as discussões não promovem avanços. Mais próximo ao final, Priscilla, a namorada – que também é transexual – entra em cena. Se o filme fosse dedicado a ela, talvez brilhasse mais. Afinal, ela tem atitude, postura, e o pouco de atenção que recebe já rouba a cena. Não tem papas na língua, diz o que quer e o que pensa. Talvez Fabiana devesse ser um pouco mais assim. Ou, melhor ainda seria se nos fosse possibilitado entender os motivos que não a permitem agir desse modo. Ela até diz: “gosto da mesma fruta que o senhor”, mas isso pouco debate gera, resultando mais em risos constrangidos. E quando surge o momento de desabafar, prefere fugir, negando-se a abrir a boca. E sobra apenas o silêncio não explicado, que não ajuda a ninguém.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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