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Crítica


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Sinopse

Final da década de 1970, em Paris. Anne é uma produtora de filmes pornográficos que sofre com o término de seu relacionamento com a montadora Loïs. Os negócios não andam bem, e são ainda mais prejudicados quando um estranho assassino mascarado começa a atacar seus principais atores. Revoltada com a passividade da polícia, Anne começa a sua própria investigação, e tem uma ideia genial: reencenar as mortes em versão pornô.

Crítica

Um filme é montado. As cenas sugerem uma produção gay. Dois jovens se beijam. Logo, partem para algo mais picante. Ao mesmo tempo, são espionados por outro rapaz que se excita com o que vê. Em outro lugar, um destes atores está numa boate. Um clube de fetiches, para ser mais exato. Homens de todas as raças, cores e portes físicos dançam. Alguns sem roupa, outros vestidos com acessórios de couro. Um deles está com uma máscara e seduz o jovem intérprete. Enquanto na sala de edição a montagem da produção ocorre com sequências cada vez mais explícitas, o mascarado e o artista pornô vão para a cama. Este é amarrado de bruços pelo outro, que logo tira um consolo da calça. O que parece ser uma foda hardcore logo se transforma num assassinato, já que o dildo serve como uma faca. O sangue toma conta da tela e o letreiro finalmente aparece. Faca no Coração começa assim, com uma trama que sugere um suspense nos bastidores da indústria pornográfica gay. Porém, à medida que avança, o longa se transforma. E é provável que o espectador se perca em meio à tanta excentricidade.

O novo longa-metragem de Yann Gonzalez é, antes de mais nada, um slasher movie, subgênero do terror que volta e meia ataca os cinemas, mas era especialmente popular quando surgiu no fim da década de 1970. Não apenas por coincidência, mesma época em que esta produção se passa. Acompanhamos a obsessão da diretora de pornôs gay Anne (Vanessa Paradis), que busca de todas as formas reconquistar o amor de Lois (Kate Moran), a montadora de sua produtora. Porém, as coisas começam a ficar mais escabrosas justamente pelo assassinato de um de seus atores. A polícia investiga o caso com preguiça e má vontade, mesmo que outras mortes envolvendo mais pessoas do elenco comecem a surgir. Resta à frágil mente de Anne, que ainda por cima tem sonhos cada vez mais estranhos, desvendar esse caso antes que o assassino faça mais vítimas.

O mais interessante deste filme é que ele não tem vergonha de se assumir, assim como seus personagens. Todos são gays, lésbicas, transexuais fora do armário. Tanto quanto o longa é slasher. Na verdade, o que acontece aqui como condenação no subtexto é justamente a homofobia. Afinal, a primeira coisa que se sabe é que, de fato, o serial killer é um homossexual, aparentemente, enrustido. Só resta descobrir quem é e o motivo de escolher a dedo quem será seu próximo alvo. Mais ainda: qual a ligação que tem com os membros da equipe da produtora. Todos os elementos são jogados na tela. O que causa estranheza após o terceiro crime é justamente a isenção de elementos fantásticos na narrativa, que até então, parecia seguir os passos de um Dario Argento ou um Brian De Palma (consequentemente, espelhando um pouco de Alfred Hitchcock). Algo ainda mais acentuado pela fotografia inventiva, que não se restringe a escolhas básicas de decupagem para uma produção do gênero. A câmera girando incessantemente na sequência da floresta é um dos belos exemplos do cuidado que a equipe teve com a técnica.

O que prejudica é justamente o roteiro da metade em diante. Pássaros negros de olhos brancos, homens com mãos de aves, túmulos guardados por mães obcecadas. O impossível toma conta da história, levando a protagonista a terrenos quase implausíveis para explicar uma solução tão simples quanto frustrante. Não que Faca no Coração seja de todo mal, pelo contrário. Só a forte presença de Vanessa Paradis como a protagonista já mantém a atenção de qualquer um com sua enérgica atuação. O restante do elenco também não faz feio, ainda que alguns se destaquem mais e outros, que pareciam ter algo relevante a acrescentar, acabem esquecidos pelo caminho. Uma jogadinha que acaba não pegando bem por enganar o público sem grandes propósitos. 

A violência, aqui, também é sem vergonha. Os assassinatos são sangrentos, com furos na boca, no ânus, nas costas. Tudo sugere um ato sexual, implicando ainda mais esta relação da transa com a morte, algo que o próprio matador não parece distinguir em sua perturbada mente. O que faz Gonzalez ganhar ainda mais pontos é sua preocupação em homenagear (com êxito) tomadas de clássicos do gênero, referenciando cineastas já citados e que claramente serviram como inspiração para suas sequências. Mais ainda: por retratar o mundo gay de um determinado período de forma tão explícita e real, seja pelos pornôs, a felicidade das baladas, os fetiches que perduram até hoje. 

Ainda com o pé na vida aqui fora (e espelhando a sociedade tanto de décadas atrás quanto a atual), há o aspecto negativo do meio LGBTI, que fica a cargo tanto das mortes por homofobia (que parecem só aumentar nesta triste realidade) quando pela falta de visibilidade perante a sociedade como um todo, tão preconceituosa e machista como o policial com um olho falhado (algo que parece proposital como uma metáfora do que vemos aqui fora). Ainda que de forma superficial, há uma discussão sobre culpas internas e o medo que é externalizar seus desejos, levando a trágicos eventos perante uma psique mal trabalhada e recheada de traumas. Com tantos predicados, a gente até perdoa as rasteiras do roteiro e seus elementos dispensáveis, bem como o final exageradamente expositivo. Nem sempre dá para manter a qualidade o tempo inteiro. Ainda que a desforra da comunidade com o assassino seja uma bela forma de mostrar que uma minoria unida tem mais coragem que qualquer bunda mole com uma faca na mão.

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é crítico de cinema, apresentador do Espaço Público Cinema exibido nas TVAL-RS e TVE e membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista e especialista em Cinema Expandido pela PUCRS.
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