Crítica
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Sinopse
Ao descobrir como invocar espíritos usando uma mão embalsamada, um grupo de jovens fica obcecado por essa adrenalina. No entanto, algo de muito ruim acontece quando a alma da mãe de Mia se manifesta numa reunião.
Crítica
Toda a campanha de marketing deste longa-metragem australiano de terror feito com baixo orçamento se dá em torno da imagem de uma mão enigmática/bizarra cheia de inscrições. Aliás, é bom enfatizar que mãos separadas de seus respectivos corpos são relativamente comuns no filão. Para citar apenas um exemplo paradigmático, temos As Mãos de Orlac (1924), clássico do Expressionismo Alemão no qual um pianista talentoso acredita estar se transformando em alguma coisa macabra ao receber o transplante de mãos do assassino enforcado recentemente nas redondezas. Nesse caso, a tensão emanada pela mão vem daquilo que Sigmund Freud, o pai da psicanálise, chamou de das unheilmliche, traduzido como “estranho” ou “inquieto”, algo que no filme de F. W. Murnau se manifesta por meio de duas características: o membro decepado, que é familiar, mas está numa situação incomum; e a suspeita de que as mãos podem ter vida própria ou estarem possuídas, ou seja, presunção de animismo. Nos filmes da Família Addams também temos a mão emancipada do corpo, mas o estranhamento é parcialmente diluído pela abordagem cômica. Fale Comigo apresenta uma mão embalsamada que tem propriedades sobrenaturais, sendo a principal delas conectar viventes ao mundo dos mortos. Diferentemente dos exemplos citados, a mão aqui é somente a chave macabra às circunstâncias “aterrorizantes”.
No que diz respeito a um cinema de terror de pretensões prioritariamente comerciais, parece que estamos vivendo numa espécie de era dos ícones ajustados pelo marketing. A divulgação de Fale Comigo traz a citada mão em praticamente todas as suas peças destinadas a garantir a venda de ingressos, assim como as produções estreladas por Anabelle e outras bonecas mais recentes se empenham em transformar visuais, objetos e outros itens simbólicos em ícones propagandísticos. Nada contra isso, mas desde que o filme em si não se transforme numa mera desculpa para adorar a ideia (no caso a mão) em torno da qual o desenvolvimento de tramas e personagens é fraco. O Exorcista (1973) tem certas cenas e figuras emblemáticas, mas não pode ser resumido a elas. Já a iniciativa dos gêmeos Danny e Michael Philippou fica demasiadamente refém da idolatria prévia a um elemento visual. Quanto à trama, ela dá conta de uma jovem que acabou de perder a mãe em circunstâncias trágicas – a versão mais aceita é a de um suicídio acidental por ingestão excessiva de remédios. Mia (Sophie Wilde) não consegue falar com o pai (mantido engenhosamente pela câmera desfocado no segundo plano, incógnito) e está sempre enfiada na casa de sua melhor amiga. Atendendo a um lugar-comum do terror, a vulnerabilidade de uma jovem em luto será fundamental para tudo descambar ao tétrico e sair logo do controle.
Para um filme que começa com a tentativa brutal de fratricídio seguida de suicídio, Fale Comigo fica devendo bastante em seus modos de escancarar o horror. Fazendo uso de diversos clichês do gênero, entre eles os adolescentes encorajados em grupo e depois punidos por sua imprudência, Danny e Michael Philippou propõe uma mitologia própria – quiçá para gerar uma nova franquia? E ela envolve a famigerada mão embalsamada e uma série de protocolos para vivenciar a experiência de ser possuído por espíritos aleatórios e sair dessa com relativa segurança. Especialmente àqueles iniciados nesse maravilhoso mundo das produções de horror, fica a expectativa a respeito de quem será o vetor e quando acontecerá o desvio das regras, o que engatilhará a perseguição não prevista pelos adolescentes inconsequentes. Tudo é bastante previsível e sem ao menos aquele gosto de reprodução da tradição a fim de gerar homenagens ou subversões. Quando alguém fica segundos além do combinado na onda, que mais parece um transe ocasionado por drogas ilícitas, sabemos que a segurança geral está em risco. E os cineastas constroem o percurso sem tanta inventividade, basicamente seguindo os códigos do gênero e apresentando variações insignificantes de procedimentos consagrados em realizações anteriores – como a fragilidade da enlutada excluída socialmente servindo como brecha ao mal.
Aliás, os diretores não elaboram bem as características que deveriam tornar personagens mais interessantes e menos genéricos. Prestando atenção, dá para perceber que a tristeza de Mia somada ao fato de ela não ser necessariamente bem aceita na galera se transforma numa receita ideal para a colocar à mercê dos agressores sobrenaturais. No entanto, Danny e Michael Philippou simplesmente sugerem a existência dessas camadas dramáticas, mas preferem continuar desenhando um percurso enfraquecido pela previsibilidade e falta de personalidade. Do ponto de vista da violência gráfica, Fale Comigo até que não faz feio. Ao se aproximar de uma tendência gore, ele consegue ter um par de momentos repulsivos. Méritos da maquiagem, menos da forma como os elementos cênicos são articuladas pela direção. Aliás, falando em mise en scène, especialmente nos 15 primeiros minutos parece que estamos diante de uma condução diferente pelo cuidado com os componentes de cada quadro – vide o trânsito por uma típica festa adolescente, mas caracterizada pela predominância do breu, e a utilização da distância focal para aumentar obscuridades dentro dos enquadramentos. No entanto, nem isso perdura. Logo, esse filme australiano, celebrado por alguns como lufada de originalidade num gênero tão maltratado, cai numa vala comum repleta de repetições. Nem particularmente assustador e tampouco tenso/enervante, ele fica aquém da atenção conferida pelo marketing à mão bizarra.
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