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Crítica


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Sinopse

Usando uma rádio policial para localizar emergências, a família Ochoa é responsável por operar uma ambulância própria de maneira independente, buscando e atendendo feridos na Cidade do México. Enquanto fazem o melhor que podem para que ninguém fique sem cuidados médicos, eles também precisam lutar contra as dificuldades financeiras que mostram-se agravantes.

Crítica

O dado alarmante que abre Família da Madrugada – na Cidade do México há apenas 45 ambulâncias públicas para cerca de nove milhões de habitantes – serve como porta de entrada numa realidade repleta de contradições e ambiguidades muito bem capturadas neste documentário de Luke Lorentzen. A família Ochoa é uma das várias proprietárias de unidades privadas de atendimento básico emergencial, negócio paralelo, desregulamentado, que, por um lado, supre a carência populacional quanto ao serviço essencial, mas, por outro, acaba constituindo uma malha de corrupções que têm como agentes, inclusive, a força policial. Como qualquer outro mercado “livre”, estimulado por uma competição ferrenha, nele contam pontos, infelizmente, a compreensão de engrenagens espúrias. Os protagonistas conhecem as frestas da lei, "molham a mão" de quem se aproveita da autoridade para criar outra fonte de renda e acabam se integrando a um jogo complexo.

Num itinerário que comporta dispositivos concernentes à encenação, Família da Madrugada observa esses homens, habitantes de um mundo absolutamente masculino, a começar por policiais e a terminar exatamente nos socorristas, deambulando por uma urbe de noites convulsionadas, pois repletas de chamados de socorro. O motorista é o filho de quase 18 anos que demonstra excitação com essa rotina de confronto com o lado feio de uma das cidades mais violentas do mundo. Nas ligações que faz à namorada, figura extracampo que serve somente de escuta às animadas descrições de ocasiões aterradoras, fica evidente o apreço do jovem por toda aquela engenharia complicada que envolve a malandragem com os agentes da lei lucrando pela atividade não ser totalmente legalizada. O irmão mais novo, pré-adolescente, é um espectador não menos acostumado com esse dia a dia. Ele encara como recompensa o fato de trafegar madrugada adentro com sua família peculiar.

Luke Lorentzen faz da tensão, inerente à atividade de seus personagens, uma mediadora. Demonstra respeito à privacidade das vítimas, enquadrando apenas os paramédicos na parte de trás do veículo, valorizando suas expressões e dizeres a fim de oferecer, mesmo suprimindo parte da imagem, a amplitude daquelas situações. Nesse sentido, é particularmente angustiante a reanimação de um bebê diante dos olhos entorpecidos do pai claramente afetado pelo consumo prévio de drogas ilícitas. Ainda que as figuras principais de Família da Madrugada tenham subjetividades suficientes, elas são apontadas como representantes de uma cadeia tão ampla quando intrincada. Nela, os Ochoa são vistos ora como trabalhadores que arriscam a cada atendimento, pois não há garantias de pagamento por parte das vítimas ou de seus responsáveis, ora como agentes coniventes e ativos do esquema que tem como principal ativo a desgraça alheia. O filme evita ser taxativo.

Família da Madrugada apresenta momentos inquietantes, especialmente quando os Ochoa precisam vencer as competições no caminho de acidentes grave ou de ocorrências com vítimas. Luke Lorentzen deixa propositalmente lacunas a serem preenchidas (ou não) pelo espectador. Pelo fato de mirar essa família específica como um sintoma de algo maior, evita se demorar nos vislumbres descolados das dinâmicas idiossincráticas na ambulância, recorrendo a isso apenas a fim de pontuar a existência dos personagens além da atividade. A capacidade de síntese da imagem é imprescindível à objetividade do filme, como no plano do exterior do hospital com quem os socorristas têm um esquema no velho “toma lá, dá cá”. Não é preciso mais que uma tomada, na qual convivem o veículo depauperado, a rua suspeita e a fachada carcomida do espaço, para que a decisão dos paramédicos aponte a um mecanismo que começa com a torpe isenção do Estado.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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