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Crítica


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Sinopse

Quando Rina morre repentinamente, a vida de sua irmã e melhor amiga, Marcela, é completamente abalada. O velório é sobreposto por conversas sobre o passado e assuntos familiares que a incomodam, principalmente por estar recebendo todos em sua casa.

Crítica

A protagonista de Família Submersa é Marcela (Mercedes Morán), de luto pela recente morte da irmã. Em meio às incursões no apartamento da falecida, e do consequente contato com objetos que funcionam como gatilhos à memória, ela tem uma rotina absolutamente normal no seio familiar. Mãe de três filhos, casada com um homem aparentemente devotado àquela prole, ela se esforça para manter-se longe do buraco ao qual a tristeza insiste em lhe tragar. A cineasta Maria Alché estabelece um percurso pedregoso para sua personagem principal, mas evita a todo custo criar eventos banais para demarcar, por exemplo, a gradativa conformidade diante da ausência. A vida continua, a despeito da finitude de alguns, e isso é sutil e habilmente sublinhado pela encenação que valoriza os gestos cotidianos e as demandas dos filhos que não cessam pela fatalidade. Portanto, o âmbito externo continua pulsando relativamente inalterado, embora o interno esteja bagunçado.

Refutando lugares-comuns frequentemente atrelados à fase que sobrevém ao passamento de entes queridos, a realizadora investe num desvelamento da intimidade conturbada dessa mulher que precisa-se firme para continuar desempenhando seu papel no seio da família. Não falta carinho aos moradores na casa, como é bem explicitado nos instantes de singela beleza em que interações simples ganham conotação terna por conta de trocas afetuosas, de meneios e manifestações que acessam espaços emocionais distintos. A narrativa de Família Submersa gravita absolutamente em torno de Marcela. É por meio de seus olhos, de sua percepção, que ganhamos ingresso tanto ao entorno privado dos consanguíneos quanto, adiante, às camadas permitidas pelo surgimento de projeções fantasmáticas do passado. A mulher que cede ocasionalmente à melancolia passa a ver espectros de sua linhagem, gente importante para ela compreender, de fato, quem é no mundo.

Família Submersa gera uma atmosfera pessoal. Tal instância dá conta da turbulência no mais das vezes dissimulada, absolutamente avessa aos alardes. Maria Alché prioriza a intangibilidade daquilo que verdadeiramente importa, as pequenas fissuras que não se curam facilmente – se passíveis disso –, e que aqui têm na morte sua ignição. Mercedes Morán não se acanha frente à responsabilidade de sustentar dramaticamente o filme, de deflagrar intermitências num todo que parece infimamente perturbado pela morte da irmã. Ela carrega esse peso não verbalizado que, sem pontuações exageradas, é absolutamente crível. Mesmo com a paisagem interna em processo silencioso de colapso, ela entende ser necessário seguir adiante. Uma prova desse distanciamento das convenções melodramáticas é o caso com o amigo dos filhos, longe de ser percebido como mero conforto momentâneo, tampouco enquanto motor de crises e rompantes de sofrimento.

Maria Alché intensifica continuamente essa perscrutação afetuosa e reservada. Família Submersa quase se excede a partir do momento em que passa a apresentar os fantasmas como sintomas de um mergulho interior complexo. O filme estabelece áreas pouco acessíveis que, somadas, acabam ameaçando o conjunto de uma obscuridade contraproducente. Todavia, a cineasta consegue manter as coisas nos eixos, sobretudo ao mostrar atitudes não necessariamente como reações diretas a algo, ou seja, rejeitando as obviedades em prol de uma jornada singular que se distancia o quanto pode das evidências, aproximando-se com semelhante impetuosidade daquilo que torna Marcela única, das recordações à forma como entende sua disposição social a afetiva. Claro, ter uma atriz da envergadura de Mercedes Morán, que topa ser o núcleo de um longa-metragem moldado de acordo com as percepções de sua personagem, faz toda a diferença para o ótimo resultado.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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