Crítica
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Crítica
Há uma certa tendência no cinema brasileiro em explorar grandes sucessos da literatura – e mesmo de fenômenos regionais – marcados pela religiosidade. Os bons resultados alcançados junto ao público de títulos como Nosso Lar (2010) e Chico Xavier (2010) – ambos com mais de 3 milhões de espectadores apenas nos cinemas – impulsionaram diversas produções similares, a imensa maioria com resultados bastante aquém dos pretendidos. Muito disso se dá pelo tom professoral e catequisador das narrativas exploradas. Exatamente o que não acontece com Fantasma e CIA, comédia familiar escrita e dirigida por Christopher Landon. Conhecido por títulos menos comprometidos com o melodrama, como Atividade Paranormal: Marcados pelo Mal (2014) e A Morte Te Dá Parabéns (2017) – assim como a sequência deste, lançada em 2019 – o cineasta dessa vez pode até voltar a temas já visitados anteriormente (sustos, possessões, paranormalidade, assassinatos), mas que o espectador não se engane: o resultado é assumidamente um conto espírita. O que, ainda bem, em nada interfere no desenrolar dos acontecimentos. Se o conjunto atinge ou não suas pretensões, isso pouco tem a ver com o discurso que carrega – o que é, inevitavelmente, uma boa notícia.
Por mais que do elenco façam parte nomes de destaque, como Anthony Mackie, David Harbour ou Jennifer Coolidge, o verdadeiro protagonista de Fantasma e CIA é o jovem Jahi Winston (Os Mortos Não Morrem, 2019). Mesmo com mais de duas décadas de vida, ele aqui aparece como Kevin, o caçula adolescente da família Presley, que acabou de se mudar para uma casa há muito desabitada em uma pequena cidade no interior dos Estados Unidos. Logo nos primeiros dias na nova residência, o garoto descobre um fantasma, a quem apelida de Ernest (Harbour, em uma composição interessante e até mesmo corajosa, baseada no gestual e no físico, uma vez que a entidade que incorpora não consegue se expressar por voz própria), vivendo no sótão acima de suas cabeças. A premissa que serviria de ponto de partida para gritos e rituais de exorcismo em muitos longas do gênero, aqui adquire ares mais cômicos. Afinal, a manifestação sobrenatural é inofensiva, e de assombração rapidamente passa a ser visto quase como um hóspede inesperado, ainda que não totalmente indesejado.
Isso em parte se dá por dois motivos. Primeiro, há a dinâmica familiar dos Presley. O texto, baseado no conto “Ernest”, de Geoff Manaugh, é perspicaz em não explorar diálogos redundantes e explicitamente didáticos, permitindo que se descubra os atritos entre pais e filhos pelas entrelinhas do não dito. Frank (Mackie, não indo além do esperado) é um homem que já tentou de tudo, sem bons retornos, tendo esgotado a boa vontade da esposa, Melanie (Erica Ash, de Todo Mundo em Pânico 5, 2013). Ela se esforça em aparentar uma certa normalidade, no sentido de manter todos unidos, mas sabe que está no seu limite. A mais recente mudança é, provavelmente, a última que farão juntos – a não ser que algo sério aconteça. Como, por exemplo, o surgimento de um fantasma. Essa, ao menos, é a visão de Frank, que vê na descoberta uma oportunidade de mudarem de vida, ainda mais após o filho mais velho, Fulton (Niles Fitch, de This Is Us, 2016-2022), mostrar o quanto o que eles agora tem em mãos pode render se explorado nas redes sociais e com a ajuda da imprensa.
No embate entre o privado – Kevin quer apenas ajudar o novo amigo a lembrar o que lhe aconteceu (ou seja, como foi sua morte) e, com isso, libertá-lo para seguir seu caminho, abandonando de vez a casa a qual imagina-se estar preso – e o público – Frank e Fulton querem esgotar as possibilidades que se abrem através de tamanha exposição, permitindo até mesmo a visita de uma apresentadora farsante (Coolidge, não mais do que uma piada, ainda que divertida) – algo, no entanto, acaba se perdendo. O problema é que o alarde provocado pela exposição midiática acaba por despertar a atenção de uma pesquisadora do além (a comediante Tig Notaro, aqui em versão séria) e até mesmo do governo norte-americano (papel do agente interpretado por Steve Coulter, veterano que tem se mostrado frequente nos últimos tempos, em produções tão díspares como Casamento Armado, 2022, ou Oppenheimer, 2023, entre outras). Ou seja, é como se a trama se dividisse entre dois focos de interesse, sendo um de grande potencial empático, capaz de envolver a audiência por uma jornada de revelações, enquanto que a outra pouco consegue ir além do genérico e superficial, visto que visitada por vezes antes por longas similares.
Assim, indeciso entre a ousadia de um thriller investigativo incapaz de apontar para uma personalidade que o diferencie dentre um gênero bastante congestionado e um contexto modesto, mas ainda assim específico, Fantasma e CIA se vale quando decide se aproximar de outra produção que o tempo tornou referência no assunto: Ghost: Do Outro Lado da Vida (1990). Menos engraçado do que talvez almejasse e quase descartável enquanto aventura, guarda sua força em uma viagem ao passado que esconde traumas ainda não superados e o poder do desapego para que cada alma possa, enfim, cumprir sua missão. Eis um discurso evidentemente espírita, e como tanto é visto em cena, sem que se façam necessários catarses punitivistas ou contornos que busquem a conversão daqueles alheios a tal diretriz. Pois há o viés voltado aos familiarizados ao tema, mas também existe uma comunicação com aqueles em busca apenas de um entretenimento ligeiro, mas de qualidade.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Robledo Milani | 6 |
Leonardo Ribeiro | 5 |
MÉDIA | 5.5 |
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