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Crítica


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Sinopse

A vida de homossexuais residentes em favelas e demais periferias do Rio de Janeiro. Além da discriminação por orientação sexual, outros signos entram nessa equação, tais como criminalidade, religiosidade e a vizinhança.

Crítica

Desenvolvido a partir do apoio decisivo da Luz Mágica, produtora do cineasta Carlos Diegues e de sua esposa, Renata Magalhães, Favela Gay é um documentário nacional que encontrou dificuldades em sua realização desde o princípio. O mais grave – a falta de patrocínios e investidores – se deu, acima de tudo, graças à citação das duas palavras que compõem o título: “favela” e “gay”. Estes dois temas tabus, porém, ao serem unidos sob o olhar do diretor Rodrigo Felha, compõem um cenário colorido e amplo, ainda que não muito diversificado. Fala-se de comunidades cariocas, da população LGBT que habita e circula por estes lugares e como cada um dos entrevistados convivem nestes ambientes. Mas é de se questionar se esse painel aqui delineado teria a mesma força e impacto em qualquer outra cidade do país – ou, mesmo, do mundo.

Pra começar, Rodrigo e sua equipe selecionaram uma pessoa de cada origem, cobrindo, assim, os principais morros e vilas da capital carioca: Rocinha, Cidade de Deus, Rio das Pedras, Complexo da Maré, Andaraí, Vidigal e Complexo do Alemão. Tem-se, ao todo, doze depoimentos, sendo apenas um de olhar externo – no caso, o do deputado federal Jean Wyllys, que é baiano, mas foi eleito pelo Rio de Janeiro. Ele é o único que tenta raciocinar a respeito do que está sendo dito, mas não analisando as declarações vistas – até porque seu discurso se dá no meio do filme, quando há muito a ser dito ainda – mas, sim, partindo de suas experiências pessoais para tentar apontar que, ao menos em teoria, os exemplos são muito próximos, independente do endereço. Não é, no entanto, o que se vê na tela.

Maxwell é maquiador e se apresenta como drag queen em boates, Martinha e Flávio são cabeleireiros, Dejah e Jeckie são cantoras. Rafaela (que nasceu William) foi estudar na faculdade, enquanto que Carlinhos é coreógrafo de escola de samba. Pandora e Michelli, assim como Martinha e Guinha, já flertaram com a prostituição, enquanto que Gilmara é ativista com trabalho reconhecido em ONGs da região. Ou seja, o universo que frequentam não é muito diferente um do outro: meio artístico, alternativo, por vezes ilegal, mas sempre identificado com a causa de gays, lésbicas e transexuais. Onde está, portanto, o homossexual que ainda não se assumiu, ou aquele que leva uma vida mais discreta? Será que na favela não existem gays no armário ou que trabalhem como contadores, mecânicos, frentistas ou advogados? Ressente-se, principalmente, da ausência daquele que está inserido na sociedade, porém sem levantar bandeiras nem impondo sua condição. Não que um seja melhor ou pior. Seria apenas mais um viés, que sem ser definitivo, deixaria o conteúdo mais diversificado.

Outro fator preponderante é a ligação da maioria com o tráfico de drogas e a contravenção. Um chega a afirmar: “somos importantes para os traficantes, pois somos os responsáveis pelas festas, pela diversão, e assim atraímos consumidores para as favelas, ao mesmo tempo em que entretemos as namoradas dos bandidos sem representar nenhum tipo de ameaça”. Após uma declaração dessa, é possível uma leitura diferente da que o gay, na favela, sempre apenas para fru-frus e passatempos, sem ser levada à sério? Faltou, ao diretor, se propor a ir atrás do outro lado dessa moeda. Investigar quem são aqueles que utilizam os homossexuais nestes papéis, e por que estes aceitam tais funções. E ainda: gay é apenas o bobo da corte, nunca o rei (ou a rainha)?

Ainda assim, Favela Gay tem bom ritmo, não se estende demais em nenhum depoimento, e tem seus momentos divertidos. Com cerca de 90 minutos de duração, não chega a cansar, mesmo que seu formato seja o mais tradicional possível: resume-se a uma sequência de entrevistas, quase sem respiros, intercaladas apenas por algumas cenas gerais para que o espectador se situe com a localidade retratada. É um filme necessário, que tem sua importância identificada muito mais por quem está na tela do que por quem o assiste. Espaços de discurso e militância como esse devem ser valorizados, e é com grata surpresa que vemos uma produção como essa ser realizada no Brasil, a despeito de preconceitos e falta de apoios. Falta, no entanto, um olhar mais denso sobre o tema. Mas, como primeiro passo, é mais do que válido.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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