20170403

Crítica

Embora tenha sido um dos queridinhos da crítica na época de seu lançamento, A Bruxa (2015), do estreante Robert Eggers, decepcionou uma parcela considerável do público. Muitos esperavam um longa-metragem alinhado às grandes produções contemporâneas de horror, uma obra mais preocupada em dar sustos do que em construir uma atmosfera de tensão. Este The Blackcoat’s Daughter, do também estreante Oz Perkins (filho de Anthony Perkins), provavelmente enfrentaria a mesma resistência por parte da audiência, caso tivesse um lançamento tão amplo quanto o do seu companheiro de distribuidora. Aqui, não há espaço para truques baratos e jumpscares; Perkins prefere apostar num clima sinistro, cuidadosamente construído, deixando o espectador profundamente desconfortável desde a cena de abertura.

O enredo acompanha três garotas: Kat (Kiernan Shipka, da série Mad Men, 2007-2015), Rose (Lucy Boynton, de Sing Street2016) e Joan (Emma Roberts). Num rígido colégio interno para meninas, as estudantes Kat e Rose são forçadas a se aproximar quando os pais não aparecem para buscá-las no início das férias. Paralelamente, a viajante solitária Joan enfrenta um duro inverno a caminho do mesmo internato.

Além da ominosa trilha sonora composta pelo irmão do diretor, o músico Elvis Perkins, e da impecável fotografia de Julie Kirkwood, que cobre de tons sombrios o internato deserto e seus jardins que desaparecem sob a neve, o ar de tensão só funciona efetivamente graças às excelentes performances do trio principal. Shipka, entretanto, é o maior destaque. Na pele de uma adolescente lentamente possuída por uma força maligna, a jovem atriz carrega a responsabilidade de compor o papel que dá o tom de todo o filme, que desabaria caso a personagem não funcionasse. Essa é uma interpretação muito sutil se comparada, por exemplo, à de Linda Blair em O Exorcista (1973), o que cabe perfeitamente nesta obra; os silêncios e os maneirismos de Kat são desconcertantes até mesmo antes do surgimento dos primeiros sinais de possessão.

A montagem não linear apresenta a narrativa como um quebra-cabeça a ser montado, o que dá certa riqueza a uma trama que é, na verdade, bastante simples (e até um pouco rasa). Há reviravoltas que podem ser previsíveis para o espectador mais atento, mas a obra acerta ao tratar essas revelações apenas como caminhos naturais da história, não tentando transformá-las em grandes momentos chocantes. Evitando ao máximo o uso de diálogos expositivos, o roteiro de Perkins não é exatamente difícil de entender, apenas exige do espectador a habilidade de ler nas entrelinhas, além de deixar muitas questões abertas à interpretação.

Poderia ser um tiro no pé a decisão de manter a mitologia particular do filme parcialmente encoberta, revelando poucas informações e deixando a audiência cheia de perguntas quando os créditos começam a subir, mas isso acaba por se tornar um de seus pontos mais fortes. Esse aspecto confere um senso de dimensão e escopo à história, provocando a sensação de que o espectador está diante de um fragmento de algo muito maior e conhece apenas uma das (possivelmente milhares) de vítimas de uma entidade misteriosa, com motivações desconhecidas e talvez até incompreensíveis para os humanos.

Lento, contemplativo e original, este longa traz novas perspectivas ao subgênero que aborda possessões demoníacas, usando o artifício do horror para explorar a solidão e a carência de sua protagonista. Além de ser visualmente marcante e repleto de performances fortes, The Blackcoat’s Daughter coloca Perkins, que dirige com uma segurança surpreendente para um estreante, ao lado de autores como Eggers, David Robert Mitchell, de Corrente do Mal (2014) e Jennifer Kent, de The Babadook (2014), como um dos diretores mais promissores do cinema independente de horror da atualidade.

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cursa Jornalismo na Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo e é editora do blog Cine Brasil.
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