Crítica
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Sinopse
Depois de duas décadas de afastamento, o ator Reynaldo Gianecchini e seu mentor, o diretor José Celso Martinez Corrêa, se encontram para a primeira leitura do texto Fedro de Platão.
Crítica
Escrito por Platão, Fédro é um personagem que costuma servir de interlocutor de grandes diálogos, na maioria das vezes ao lado de Sócrates. Os dois discutem sobre a arte da retórica ao abordar questões das mais diversas ordens, invariavelmente, no entanto, ao redor de um tema em comum: o amor, seja físico, erótico, psicológico ou mesmo apenas situado no campo da amizade. Jovem ateniense de família rica, o rapaz busca nesse contato com o sábio uma luz sobre os caminhos da vida, a ordem das coisas, o significado das ações e como cada relacionamento pode ser determinante, ou não, para a construção do ser. Mais ou menos o que o diretor Marcelo Sebá tenta esmiuçar a partir da retomada de contato entre Reynaldo Gianecchini e Zé Celso Martinez Corrêa. Duas figuras que não poderiam ser mais dissonantes entre si, mas que em determinado momento de suas trajetórias se encontraram e assumiram, uma relação à outra, os papéis de aprendiz e mestre. Ainda que por um período relativamente curto, essa troca ficou marcada e, pelo que se percebe, ansiava por um desfecho. Algo proposto agora, ainda que nem sempre do modo mais natural possível.
Zé Celso é uma figura maior do que tudo e todos, e qualquer um que já tenha assistido a uma das suas peças certamente não saiu indiferente ao que foi exposto. Transgressor, revolucionário, inquieto: são muitos os adjetivos usados para defini-lo. Acomodado, por certo, não está entre eles. Por outro lado, essa é a impressão comum a respeito de qualquer galã frequentemente visto em novelas globais, o tipo bem apessoado e que provoca suspiros por onde passa, ainda que nem sempre lhe seja exigido uma maior complexidade a partir dos personagens cuja armaduras escolhe envergar. Tal como Gianecchini, que se serviu desse disfarce por quase duas décadas, de Laços de Família (2000) até A Dona do Pedaço (2019), passando por folhetins de diferentes proporções, como Da Cor do Pecado (2004), Passione (2010) ou Verdades Secretas (2015). Uma figura na qual o público poderia confiar, pois sabia do que dela esperar: bom-mocismo, segurança, integridade.
O caminho oposto ao trilhado pelo autor de montagens provocativas como O Rei da Vela (1967), Mistérios Gozosos (1985) e As Bacantes (1996), entre tantas outras. Encarado como “orgiástico” e “antropofágico”, Zé Celso liderou o importante Teatro Oficina e construiu uma carreira através da qual o sexo e a nudez são parte indissociáveis. Não tanto pela gratuidade dos corpos expostos, mas pelo incômodo dessas visões, pela naturalidade que prega na disposição dos adereços e por colocar em xeque uma moralidade, segundo ele, ultrapassada e falsamente conservadora. Ele e Gianecchini trabalharam juntos há vinte anos, quando o ator era não mais do que um iniciante que identificara, nos métodos e criações do realizador, uma escola a ser seguida. Houve um momento de sinergia entre eles, e o resultado foi Cacilda! (1998), peça sobre a inesquecível Cacilda Becker, dirigida por um e cujo elenco contava com a presença do outro. O caminho a ser trilhado pelos dois, lado a lado, poderia ter sido de alto impacto. E assim o foi, porém não mais juntos.
Reynaldo Gianecchini foi logo descoberto – ele afirma ter sido visto por um diretor de elenco da Rede Globo, mas a verdade popular afirma que foi seu romance com a jornalista Marília Gabriela, 23 anos mais velha do que ele, que o colocou de vez nos holofotes – e optou por abandonar uma parceria que tinha começado tão bem. Corrêa não esconde a mágoa por ter sido deixado para trás, mas como todo artista impulsionado pela criatividade, teve muito com o que se ocupar durante esses anos. Agora são colocados novamente juntos, e da maneira mais despojada possível: num mesmo espaço, embaixo das cobertas, enquanto ensaiam Fedro e discutem suas vidas e trajetórias. O mais velho deixa claro não ter pudores e trata logo de tirar as próprias roupas, não sem antes acompanhar esses gestos por um discurso a favor de uma almejada liberdade. Aquele ao seu lado, visivelmente desconfortável pela posição em que é colocado, decide por segui-lo, não sem hesitar antes. Os gestos parecem simples – não há exposição, é uma dinâmica estabelecida mais entre eles do que junto à audiência – mas suficiente enquanto exemplo de como cada um enverga suas personas públicas.
Um tem muito a ensinar, o outro revela tanto ainda por aprender. Poderia ser um jogo entre os dois, no qual essas posições se alternassem. Não chega a ser o caso. O Fédro composto por Sebá – realizador de currículo eclético, tendo seu nome ligado a projetos como O Cheiro do Ralo (2006), como produtor, ou o videclipe Solta a Batida (2018), de Ludmilla, como diretor – se mostra preocupado em apenas ocupar esses espaços, realizando tanto a sanha dos que esperavam uma lavagem de roupa suja nos altos escalões da cultura nacional, como também o embate entre o novo e o antigo vistos por prismas nem sempre confortáveis, mas ainda assim ressonantes. No final das contas, mais esperto é o espectador que souber driblar tais armadilhas e se ater ao que está por detrás destas distrações, na visão artística que ambos compartilham e nas reflexões que compartilham a respeito do Brasil e do mundo da forma como se encontra hoje. São homens que sofreram, caíram, mas não se deixaram abater. E o melhor: seguiram na luta. Juntos ou separados, por cima ou debaixo dos lençóis, essa já é uma outra discussão.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Robledo Milani | 6 |
Alysson Oliveira | 7 |
MÉDIA | 6.5 |
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