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Sinopse

Uma coleção de curtas-metragens de cineastas aclamados de várias partes do mundo. Confinados em casa devido à pandemia de Covid-19, eles criaram histórias pessoais e emocionantes que retratam o momento de quarentena que todos estamos vivendo.

Crítica

Feito em Casa constitui tanto uma demonstração do poderio da Netflix quanto o seu senso de oportunidade. Diante da pandemia, a produtora se dá ao luxo de convidar dezessete diretores, incluindo alguns dos cineastas mais prestigiados do mundo, para fazerem filmes simples, dentro de suas casas, com a ajuda de familiares ou sozinhos. Não havia qualquer restrição temática ou de produção para além da duração, estimada entre cinco e sete minutos para cada um, embora vários criadores tenham ultrapassado esta marca. As filmagens ocorreram em maio, e no final de junho a plataforma já disponibilizava o resultado final aos espectadores. Poucos produtores teriam a capacidade de articular um projeto desta amplitude com tanta rapidez, incluindo filmes de Pablo Larraín, Paolo Sorrentino, Naomi Kawase, Ladj Ly, Sebastián Lelio, Nadine Labaki e Johnny Ma. Esta também representa uma aproximação do gigante do streaming com o circuito dos festivais e o cinema “de arte”, por onde costumam transitar a maioria dos artistas selecionados. Em outras palavras, o projeto serve menos pela qualidade de seus segmentos do que pela marca dos autores participantes.

A prova do valor retórico desta coletânea se encontra na maneira como os curtas-metragens são articulados dentro da plataforma. Os segmentos foram incluídos separadamente, a exemplo dos episódios da temporada de uma série, sem qualquer arte gráfica estabelecendo a transição entre capítulos ou buscando a coesão do longa-metragem como um todo. Não há passagens explicativas no começo ou final, nem mapas para situar os curtas geograficamente, muito menos uma forma de arte unificada nos letreiros para favorecer a proximidade entre os filmes. A Netflix recebeu obras independentes e disponibilizou o pacote de maneira dissociada. Enquanto longa-metragem, portanto, o resultado é desconexo. As sucessivas interrupções no final de cada curta (com o acréscimo do logo e da vinheta sonora típicos da empresa a cada reinício) prejudicam a fluidez da experiência. A dissociação entre os filmes faz com que os espectadores possam acessar apenas aqueles que os interessem mais, prejudicando a ideia de uma narrativa única e impedindo a comunicação entre os filmes. O projeto se assume enquanto colcha de retalhos costurada de maneira mais ou menos aleatória.

Mesmo assim, algumas afinidades surgem ao longo dos projetos. Muitos diretores elegem os próprios filhos como personagens principais, caso em que os documentários prevalecem. Natalia Beristáin, Gurinder Chadha, Nadine Labaki e Khaled Mouzanar, Johnny Ma, David Mackenzie e Rachel Morrison filmam a interação razoavelmente espontânea das crianças dentro de casa, seja convivendo numa rotina desprovida de adultos, seja brincando e performando diante das câmeras. Nestes casos, os cineastas privilegiam o acaso, diminuindo a responsabilidade da reflexão sobre o isolamento por meio do naturalismo despojado, com aparência de pouco controle. Ironicamente, estes também constituem os projetos mais superficiais, seja por se limitarem à reportagem sorridente e inofensiva (Gurinder Chadha efetua um longo Tik Tok com os filhos), seja por não explorarem o conceito do aprisionamento, nem as tensões entre o interior e o exterior. As modificações digitais em pós-produção no curta de Labaki e Mouzanar transformam o caseiro em amadorismo, ou talvez em despreocupação. Um dos problemas comuns aos filmes de encomenda se encontra no baixo comprometimento dos artistas com o resultado. Ao menos, a viagem à família de Johnny Ma ostenta controle narrativo e bela nostalgia em relação à mãe e à cultura chinesa, das quais o diretor está longe. Ladj Ly parte de um apartamento para, através de um drone, visitar o mundo lá fora, resultando num eficaz olhar panorâmico. De resto, o grupo que aposta no documentário oferece curtas-metragens fracos.

As ficções, por outro lado, se dividem entre aquelas que aproveitam bem o conceito do curtas-metragem e aquelas que tentam ir muito mais longe do que as restrições de produção e duração permitiriam. Pablo Larraín, organizador da antologia, proporciona o melhor filme do grupo ao brincar com as comunicações via webcam. O que aparentava ser uma comunicação melodramática, e depois erótica, se transforma numa comédia feroz, precisamente concebida para o formato curto. Mesmo com poucos minutos em tela, Mercedes Morán revela a dimensão de seu talento. Sozinho em seu apartamento, Sebastian Schipper oferece uma fábula absurda de duplos e triplos, construídos pelo jogo de trucagens. Sebastian Lélio improvisa um musical, gênero dificílimo para o formato caseiro e a filmagem à distância, no entanto, assume o caráter amador a seu favor, assim como Naomi Kawase adapta a videoarte à proposta narrativa. Paolo Sorrentino também investe no absurdo e na aparência de precariedade ao imaginar o romance entre o Papa e a Rainha Elizabeth. O resultado se sobressai quando os cineastas exploram um conceito simples, aprofundado pelo uso da linguagem cinematográfica: vide as elipses e mudanças de cenário em Sorrentino, o jogo de planos e contraplanos lúdicos no filme de Schipper, a recusa em mostrar o rosto da atriz no projeto de Kawase.

Em contrapartida, Kristen Stewart, Maggie Gyllenhaal, Antonio Campos e Ana Lily Amirpour criam curtas extremamente ambiciosos, que necessitariam muito mais de sete ou oito minutos para se desenvolverem. Stewart recheia seu curta-metragem de tiques pseudoartísticos que beiram o humor involuntário, enquanto Gyllenhaal aposta no filme-catástrofe com efeitos especiais e uma tonelada de simbolismos mal trabalhados. A proximidade do terror seria interessante caso Campos se concentrasse na ambientação, ao invés das improváveis viradas de roteiro, e a lição de vida de Lili Amirpour, escolhida para fechar o projeto, resulta num discurso próximo das filosofias de vida do coach contemporâneo. Os resultados menos estimulantes se encontram nos segmentos que tocam de maneira literal no tema da quarentena (vide os trabalhos de Amirpour, Mackenzie e Morrison), enquanto os cineastas mais experientes fogem à obrigação de refletir sobre epidemias e vírus para sugerir a dualidade dentro-fora, os encontros e desencontros, as uniões e separações. Ao final, os bons projetos constituem uma minoria, dentro de um longa-metragem que não faz questão de se estruturar enquanto tal. Talvez alguns valores dignos de nota nasçam do projeto enquanto sintoma, ou seja, retrato de uma quarentena experimentada dentro de casas espaçosas, com amplos jardins e lagos ao redor. Nenhum diretor buscou representar, ainda que metaforicamente, o isolamento de pessoas em situações menos privilegiadas (o conto de Rungano Nyoni acena apenas indiretamente a essa questão).

Feito em Casa propõe o mergulho em pequenos fragmentos da rotina do indivíduo isolado, porém confortavelmente aguardando as resoluções dos governos e países, sem motivos que o pressionem a sair. Não há discursos frontalmente políticos a respeito da gestão dos países com a Covid-19, nem mesmo narrativas sobre trabalho ou dificuldades de relacionamento. Os diretores encaram este tempo separado da sociedade como um descanso ou pausa para a reflexão, algo que constitui, em si, um luxo. O distanciamento social dos diretores habituais de Cannes, Berlim e Veneza se traduz numa quarentena burguesa e leve, destituída das pressões psicológicas, sociais ou financeiras que afetam a maior parte dos indivíduos (com notável exceção do curta de Ladj Ly). De modo geral, os diretores interpretam o convite de fazerem um filme em suas casas enquanto proposta de falarem sobre si mesmos e suas famílias, o que estava longe de constituir uma obviedade ou obrigação. Multiplicam-se então as cartas a mães e filhos amados (Ma, Morrison), as narrações introspectivas, as fábulas infantis. Pela ausência de restrições estéticas ou narrativas, e pela simplicidade do formato proposto – a maioria dos filmes foi gravada com telefones celulares comuns -, o resultado se prestaria um projeto muito mais ambicioso, tanto em suas partes quanto coletivamente.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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