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Sinopse

Assim como a maioria das meninas adolescentes, Tati ama compartilhar sua vida nas redes sociais. Porém, quando menos espera, ela vai ter que amadurecer e lidar com as consequências de seus atos, depois que algo que não queria que se tornasse público é divulgado no grupo do WhatsApp de sua turma de colégio.

Crítica

Há duas forças cortando Ferrugem ao meio, ocasionalmente se entrecruzando. A primeira delas é a vergonha, oriunda da humilhação. Tati (Tiffany Dopke) é uma adolescente como todas as outras, sempre de celular em punho. Após perdê-lo numa noite de flerte com Renet (Giovanni de Lorenzi), vira motivo de chacota na escola por conta do vazamento de um vídeo íntimo do passado. Os momentos subsequentes a esse episódio são de angústia, com a menina sofrendo desfeitas dos colegas. O cineasta Aly Muritiba não se aferra à contundência imediata dos efeitos, preferindo oferecer uma investigação, por exemplo, dos silêncios constrangidos e da dificuldade de reação. A menina fica cada vez mais acuada, isolada do mundo fervilhante que a circundava há pouco. Nas entrelinhas, percebe-se uma denúncia do machismo e da hipocrisia ali vigentes, ambos marcantes no ambiente escolar repleto de garotos que tacham de vagabunda quem obedece aos desígnios do desejo, mas também de garotas que abandonam semelhantes para não receber quaisquer respingos de uma má fama.

A câmera de Rui Poças, o diretor de fotografia, ressalta o colorido antes da divulgação do conteúdo privado. Depois, atem-se aos semblantes carregados, sobretudo o de Tati, que precisa enfrentar, inclusive, a quietude do paquera Renet. Ferrugem se esforça a olhos vistos para não tomar caminhos rasgados, evitando deter-se em pontualidades. Certas passagens sintomáticas são utilizadas para adensar um todo avesso aos alardes. Mas, eis que um evento fatídico, violência absurda que surge como efeito colateral direto da irresponsabilidade, muda os rumos da trama, oferecendo brecha à insurreição da segunda força do enredo, exatamente a culpa. Literalmente, há uma troca de protagonistas, com Renet assumindo a linha de frente, deambulando pela propriedade de veraneio à qual seu pai se retira. Sorumbático, é acometido por um sentimento difuso que ele não consegue externar, tampouco discutir com alguém de confiança. O realizador trabalha bem esses instantes de introspecção, frequentemente deixando o filme em ponto morto, mas não caindo na banalidade.

Tati e Renet são personagens corroídos por questões diferentes. Aly Muritiba não demonstra interesse em julgar os personagens, blindando naturalmente, sobretudo, Tati de entendimentos moralistas e afins. O desespero limítrofe é precedido de frágeis tentativas de levar adiante, de buscar simples apoios nas pessoas próximas, mas a menina se descobre, de uma hora para outra, ilhada em seu próprio infortúnio, praticamente sozinha. Já Renet, entendido como jovem calado e indisposto a discutir seus problemas – inclusive os familiares que, mais adiante, se agigantam em consonância com as crises íntimas –, é vagamente arrolado como potencial malfeitor. Porém, a dúvida persiste, porque bem alimentada. Aliás, o cineasta brinca sutilmente com as conjecturas e possíveis teses, não as inflando frontalmente, dentro de um percurso poroso e caudaloso. Ferrugem mostra seus personagens figurativamente se oxidando em contato com a feiura de um mundo repleto de pressupostos, postulados, preconceitos e meias verdades. Como todo processo de enferrujamento, é lento, compassado, às vezes demasiadamente, mas duro.

Ferrugem aborda temas importantíssimos. Para além de cutucar a ferida dos vídeos íntimos compartilhados sem consentimento mútuo, reserva um olhar contemplativo, nem por isso menos ferino, à decorrente exposição que vem a reboque da hiperconectividade. Já a discussão entre o pai e a mãe de Renet, interpretados, respectivamente, por Clarissa Kiste e Enrique Diaz, lança luz sobre os contratempos domésticos, evidenciando um abismo geracional que entrava o diálogo. Não fosse o tempo considerável conferido a essa sessão de lavagem de roupa suja caseira, poder-se-ia dizer que o filme é totalmente construído a partir de uma perspectiva juvenil, até mesmo porque os progenitores de Tati, por exemplo, são vistos apenas de relance, no máximo de costas. Os coadjuvantes são pouco explorados, senão como adereços das duas trajetórias cujo ponto de convergência é uma tragédia anunciada. Aly Muritiba captura estados lancinantes oriundo dos não ditos, da impossibilidade de tomar atitudes diante da mesquinharia alheia. Falta uma pitada de incisão, a contenda familiar entra meio a fórceps, mas o resultado é aflitivo.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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