Sinopse
Crítica
Ainda que o cinema brasileiro nunca tenha demonstrado grande apreço à refilmagens e adaptações de sucessos estrangeiros voltados para o público local, é importante frisar que essa é uma prática bastante comum no mundo inteiro. Para se ter uma ideia, vencedores do Oscar, como No Ritmo do Coração (2021) e Os Infiltrados (2006) são, respectivamente, remakes do francês A Família Bélier (2014) e do honconguês Conflitos Internos (2002) – e a origem em nada impediu tais consagrações na maior festa do cinema mundial. Não deverá ser o caso do nacional Fervo, de Felipe Joffily, uma vez que esse se mostra ser um filme mais preocupado em estabelecer uma comunicação direta com o público e menos em almejar glórias e reconhecimentos internacionais. E é por essa simplicidade que acaba sendo efetivo em sua proposta, por mais que no original – o francês Poltergay (2006) – a ideia fosse mais explícita, enquanto que, por aqui, termine dissimulada por uma aura de frivolidade que nem sempre encontra retorno no que se vê em cena. Enfim, é justamente por entregar mais do que oferece que acaba por se revelar uma grata surpresa.
Este é o terceiro longa-metragem que Joffily lança nos últimos seis meses, após o constrangedor Minha Família Perfeita (2002) e o ambicioso Nas Ondas da Fé (2023). Pois se dizem que “um é pouco e dois é bom”, o cineasta mostra com Fervo que três não precisa, necessariamente, ser demais. Afinal, o melhor resultado dessa improvável trilogia é alcançado nesse última tentativa. Ele e o roteirista Thiago Gadelha (vindo da televisão, que lhe abriu espaço para trabalhar em humorísticos como Tá no Ar: A TV na TV, 2014-2017, com Marcelo Adnet, e Dani-se, 2021, com Dani Calabresa) não evitam de cometer um ou outro exagero em uma história que poderia ser mais linear e sem desvios, mas que ganha força pelo ótimo elenco reunido. Assim, os realizadores revelam-se hábeis em oferecer a cada um dos nomes de maior destaque seu momento de protagonismo, cedendo espaço para que cada um dos convocados possa agregar talento e diversidade ao todo. O cenário, assim, ganha em dinamismo ao explorar diferentes correntes de humor – obviamente, uns com melhores efeitos do que outros.
Leo (Felipe Abib, eficiente como centro das atenções, frágil quando em dúvida e seguro nos momentos mais incisivos) e Marina (Georgiana Góes, que se vê resignada ao papel da esposa em conflito) são um casal de arquitetos que, por insistência dele, acaba se envolvendo com o que o marido considera uma “barbada”: um imenso casarão no interior vendido “a preço de banana”. Ao chegarem lá, ela se surpreende com o tamanho do lugar – e com a quantidade de trabalho que terão pela frente até colocar ordem por ali. Já ele, ao mesmo tempo em que se mostra entusiasmado pela oportunidade, também passa a sentir receio, porém de outra ordem: coisas estranhas passam a lhe acontecer, como conversar com pessoas que desaparecem em seguida, objetos que mudam de lugar sem perceber e até o próprio visual que acaba transformado após uma noite de sono. O curioso – e mais problemático do enredo – é o personagem (e os demais ao seu redor) chegar ao veredito que essa confusão só pode ter uma causa: uma insuspeita homossexualidade. A enviesada revelação é vista como esperada pelos pais, como lógica pela esposa e não chega a surpreender nem o melhor amigo. Mas e ele, o que tem a dizer sobre si mesmo?
Pois então, se o lado “gay” do filme não se sustenta por mais de uma ou duas piadas, está no viés “poltergeist” a verdadeira resposta: o rapaz é sensível, mas não quanto à sua orientação sexual, e, sim, quanto ao fato de ser capaz de ver e conversar com os mortos. Trata-se de um médium, portanto. O lugar onde agora estão foi palco de uma casa noturna – a tal “Fervo” do título – que nunca chegou a abrir devido a um acidente que vitimou os três donos no dia da prometida abertura. E são esses os espíritos que seguem por ali, na espera por alguém que possa ajudá-los a resolver suas pendências terrenas. Renata Gaspar (Amores Urbanos, 2016) quer se despedir da filha e da esposa, Diego (Gabriel Godoy, menos histriônico do que lhe é de praxe) precisa dar um último beijo no namorado (Bukassa Kabengele, revelando uma sensibilidade delicada), e a drag queen Mo Nanji Manhattan (Rita Von Hunty, estreando na tela grande com bastante desenvoltura) anseia por, enfim, se assumir para os pais (Suely Franco e Tonico Pereira, ambos em participações mínimas, porém cativantes). Há missões a serem executadas e prazos a serem cumpridos, tarefas essas que sobram para Léo, Jorge (Dudu Azevedo, contido) e Jonas (Paulo Vieira, entregue a um tipo que merecia ser desdobrado em projetos futuros).
Se a cereja do bolo desse imbróglio espírita é a presença da Morte em pessoa (Joana Fomm, mostrando que ainda tem muito a oferecer), Fervo diz a que veio pela maneira sem rodeios com que assume sua porção sobrenatural, quase como numa mistura entre A Gaiola das Loucas (1996) – também um remake de um título vindo da França – e o romântico Ghost: Do Outro Lado da Vida (1990), apenas para ficarmos entre nomes bem conhecidos. O caráter homossexual do protagonista poderia – e merecia – ser melhor trabalhado. Ao mesmo tempo, são os ‘fantasmas’ que emprestam a sutileza necessária a esse olhar sobre a diversidade sexual: o casal de lésbicas, os namorados gays, a drag em busca de aceitação familiar. Tudo sem discursos didáticos, mas, ao invés disso, pequenos detalhes e cenas bem pensadas que fazem a diferença não pela fala, mas pelo exemplo. Podem parecer situações menores, mas é justamente a soma desses elementos que faz do conjunto algo maior do que suas partes em separado. Uma comédia que diverte sem maiores dores de cabeça, que emociona sem forçar a barra e ainda abre terreno para a reflexão. Parece coisa de outro mundo. Felizmente, não é o caso.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Robledo Milani | 7 |
Suzana Uchôa Itiberê | 4 |
Alysson Oliveira | 3 |
MÉDIA | 4.7 |
filme sem graça. perda de tempo no cinema