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Sinopse

Um músico, um jogador de sinuca e um ator decadente são contratados para entreter os convidados de uma luxuosa e privada festa em São Paulo. Tudo acontece enquanto eles aguardam ser chamados.

Crítica

Uma das principais marcas do cinema do diretor paulistano Ugo Giorgetti é a habilidade em trabalhar dentro de um espaço limitado. Seja na casa abandonada de Jogo Duro (1985), sua estreia ficcional, no edifício decadente do aclamado Sábado (1995) ou até na esquina deserta de seu mais recente trabalho, Uma Noite em Sampa (2015), Giorgetti explora o confinamento espacial para criar universos particulares que servem como amostras metafóricas da realidade social brasileira. Em Festa, o universo é representado pelos dois andares de uma mansão que claramente simbolizam uma divisão de classes. No andar de cima estão os convidados, membros da alta sociedade, enquanto no salão de jogos do andar inferior transitam os empregados e também aguardam os três protagonistas da história.

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O trio composto por um jogador de sinuca profissional (Adriano Stuart), seu comparsa, conhecido como “Velho” (Antônio Abujamra), e por um gaitista (o músico Jorge Mautner) espera o convite que nunca acontece para cumprir sua função de animar a festa, vivendo uma situação que lembra uma versão às avessas de O Anjo Exterminador (1962), de Buñuel, uma referência recorrente na filmografia de Giorgetti. O cineasta foca seu olhar nestas figuras - os assalariados, os malandros, os artistas – que compõem as classes baixas, o subsolo da mansão, e que ambicionam inutilmente a ascensão social, o segundo andar. Juntam-se a eles outros personagens que completam a hierarquização do ambiente, como a empregada (Iara Jamra), os garçons que possuem acesso limitado à festa e o mordomo (Otávio Augusto, excelente) que representa uma camada intermediária, a do oprimido que, com o mínimo de poder que lhe é oferecido, se coloca no papel de opressor.

Giorgetti registra essa luta de classes com extrema habilidade, passeando pelo ambiente através de planos bem elaborados, como os detalhes no jogo de sinuca, os diversos planos-sequência que acompanham os monólogos de cada personagem ou quando coloca em perspectiva os dois andares da mansão para ressaltar suas diferenças. Aliado a este esmero técnico está o humor, muitas vezes beirando o surreal, que mantém a fluidez da narrativa enxuta. O cineasta cria pequenas situações de conflito que não só divertem como também ajudam a construir o quadro social que pretende expor, como a discussão entre os garçons italianos, a verdadeira epopeia enfrentada pelos empregados para trancarem o cachorro no banheiro e o ataque epilético sofrido por outro dos garçons.

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Mas o elemento fundamental para o sucesso do longa é mesmo a interação do trio principal, que abre espaço para que seus intérpretes brilhem. Mautner constrói um personagem mais ingênuo, agitado, com traços hipocondríacos e que demonstra maior aflição por não ser chamado para tocar. A longa cena em que diz já ter participado do Programa Sílvio Santos e explica para a emprega a diferença entre os tipos de gaita é ótima. Já Abujamra cria uma figura excêntrica, desde seu visual, e ambígua, capaz de fazer rir e gerar certa repulsa com a mesma facilidade. Seu personagem possui alguns dos melhores diálogos, como quando começa a ler as sinopses de um guia de filmes eróticos e arranca uma das páginas, colocando-a em seu sapato e afirmando que “Com toda essa sacanagem, meu pé vai ficar quentinho”.

Por fim Adriano Stuart rouba a cena com seu tipo malandro, cheio de frases de efeito e sempre tentando arrancar dinheiro de todos fazendo apostas. Com um sotaque paulistano carregado e impagável é dele um dos grandes momentos do filme, quando explica o motivo de seu companheiro dormir sentado, contando a história da “Pensão Tupinambá”. Há ainda outras ótimas participações especiais, como José Lewgoy na pele de um convidado bêbado que desce ao andar inferior por engano, ou ainda Ney Latorraca como um ator famoso que profere um discurso sócio-político intencionalmente vazio, mas que ainda assim causa encantamento no “Velho” e especialmente na empregada, numa evidente alusão ao poder de manipulação da mídia. Todos carregados de uma dose caricatural que se adequa ao tom absurdo da comédia proposta por Giorgetti.

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Assim como os protagonistas, o espectador é privado da visão da festa, pois Giorgetti se limita a mostrar apenas relances da mesma, vistos por uma porta de vidro esfumaçado, mantendo o ar inatingível da celebração da burguesia. Os habitantes do andar de baixo permanecem invisíveis ao olhar da classe superior, algo evidenciado na sequência-chave do longa em que os convidados repentinamente invadem o salão de jogos. O sentimento de inadequação toma conta do trio principal, que se mantém atônito e petrificado até o momento em que todos voltam para a festa. É a constatação de que, mesmo desejando o contrário, eles não se encaixam neste outro mundo, tal qual o sapato esquecido pelo bêbado que não cabe no pé de Abujamra. Sem saber quem os contratou ou porque foram chamados, já que não tocaram e não jogaram, os três sentem-se descartáveis. E, no apagar das luzes, encaram a chuva que cai ao raiar do dia, sabendo que a realidade que os aguarda do lado de fora da mansão não é tão diferente daquela do andar de baixo.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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