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Sinopse

Quando os desconhecidos Lars e Sigrit recebem a oportunidade de representar o seu país na competição musical mais importante do mundo, eles finalmente têm a chance de provar que há sonhos pelos quais vale a pena lutar. Para isso, terão de enfrentar a personalidade imprevisível de Lars.

Crítica

A comédia é um gênero maltratado na esfera comercial do cinema. São lançadas tantas produções ruins filiadas a ela que alguns espectadores acabam criando um ranço automático diante de exemplares nutridos pela graça. Festival Eurovision da Canção: A Saga de Sigrit e Lars é um filme promovido com estardalhaço, inclusive por ter nomes conhecidos em seu elenco, o que torna a sua contribuição à distorção supracitada bem mais perniciosa e grosseira. Ainda que abrace claramente o kitsch desde uma das primeiras cenas, a representação fantasiosa e cafona do que os islandeses Lars (Will Ferrell) e Sigrit (Rachel McAdams) entendem por estética ideal, o cineasta David Dobkin é incapaz de utilizar o apontamento para produzir algo engraçado e subterraneamente crítico. Em diversos momentos do longa-metragem ele deixa os personagens centrais à mercê do ridículo, melhor dizendo, de serem ridicularizados e julgados. Isso também diz respeito à pegada de Ferrell como roteirista, vide a grande profusão de piadas de apelo imediato e destituído de sutilezas.

Festival Eurovision da Canção: A Saga de Sigrit e Lars é um filme calcado em estereótipos. Não apenas os islandeses são compreendidos a partir da questionável delineação caricatural, mas todos os demais europeus reunidos no festival que mobiliza o continente. Alexander (Dan Stevens), uma espécie de vilão desalmado, é evidentemente gay, realidade que Sigrit não percebe enquanto é cortejada com intenções escusas. O fato dele ser russo, de ter nascido num país que condena sua orientação sexual, poderia servir para afrontar sintomaticamente o preconceito incrustado numa sociedade dada à discriminação. Mas, o sujeito acaba sendo mais circunscrito dentro do arquétipo do homossexual vilanesco, conduzido por impulsos maldosos e mesquinhos de, inclusive, tripudiar sobre a inocência alheia. Tal modelo surrado já deveria ter sido enterrado. Portanto, David Dobkin pega um traço que lhe oportuniza sublinhar a realidade de modo progressivo e vai na direção contrária, ou seja, assim reforçando deliberadamente uma convenção distorcida e bastante nociva.

Mas, antes mesmo de abordar a competição propriamente dita, Festival Eurovision da Canção: A Saga de Sigrit e Lars aborrece pela construção anacrônica das várias dinâmicas entre os protagonistas feminino e masculino. Lars é somente persistente e o filme sustenta que devemos admira-lo por isso, lançando pequenas bombas de fumaça feitas de atitudes condenáveis, mas deixando evidente que ele está aprendendo. Já Sigrit é bonita, canta lindamente, possui o dom de crer de peito aberto no improvável, é resiliente e não esmorece diante das dificuldades. E o que o longa faz diante dessas diferenças? Força a barra para que as luzes sempre estejam direcionadas a ele, à sua jornada pessoal rumo à aceitação do pai. E isso se torna gritante quando os mitos se revelam ao cético, sequer recompensando a credulidade dela. A narrativa é bem mais definida pelas regras dessa jornada do homem. Ainda no que tange aos lugares-comuns tipicamente hollywoodianos, é difícil de engolir que Will Ferrell e Rachel McAdams sejam contemporâneos – eles têm 11 anos de diferença –, situação repetida algumas vezes durante essa caminhada absolutamente previsível e repleta de conveniências.

Um filme não se restringe ao que apresenta, pois compreende também as suas omissões, as oportunidades negligenciadas diante de uma perspectiva. Festival Eurovision da Canção: A Saga de Sigrit e Lars gera espaço para falar com maturidade sobre a disputa entre a celebridade mecânica e a arte que vem do coração, a fim de substanciar esse clichê com elementos singulares. Também tem entradas para ressaltar o amadurecimento concomitante dos personagens que aprendem gradativamente, aos trancos e barrancos, o que verdadeiramente importa, nisto incluído o amor. Mas, David Dobkin decide abordar essas circunstâncias-chavão a partir justamente daquilo que as torna comuns e baratas, não oferecendo nada além de um percurso prolixo em que a pureza dos personagens pode ser confundida com alguma deficiência cognitiva. O elemento mais indicativo dos olhares viciados que orientam integralmente essa comédia boba é a tentativa claramente malfadada de fazer piada com os únicos norte-americanos em cena. Quando Lars se dirige a eles, é o islandês que soa ridículo, não os estadunidenses pretensamente transformados em alvos das piadas xenófobas. Sacou?

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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