Crítica

Vencedor do prêmio de melhor direção na mostra Um Certo Olhar do Festival de Cannes, Um Estranho no Lago finalmente revela o cineasta francês Alain Guiraudie para um público mais abrangente. A partir deste thriller nada convencional, o espectador poderá fazer contato com o universo excêntrico e intrigante que permeia a cinematografia deste verdadeiro autor.

O frisson ao redor de Um Estranho no Lago é justificado ao espectador a cada minuto do filme, também laureado com a Queer Palm em Cannes e recebido como um autêntico suspense hitchcockiano pautado em vivências (ou desejos) comuns à cultura homossexual. Com referências a outros de seus trabalhos, como na ambientação campestre, diálogos e questões sexuais latentes, Guiraudie ainda retoma aspectos do excelente curta-metragem Esse Velho Sonho Que se Move (2001), apontado por Jean-Luc Godard como o melhor filme de Cannes no ano em que foi exibido.

Durante nove dias num cenário isolado do interior da França, comumente utilizado para encontros sexuais furtivos e sem compromisso entre homens, Franck inicia uma amizade com Henri, mas seu principal interesse se direciona para Michel. Com biótipo essencialmente masculino e um bigode setentista, o estranho no lago encanta o vulnerável rapaz. Do encontro dos dois, pulsões, incertezas e um crime; sexo, morte e a impossibilidade da solidão.

A repercussão maior de Um Estranho no Lago se deu pelas alardeadas sequências de sexo explícito – devidamente integradas à narrativa e à proposta do filme. Não apresentar o sexo num filme como este seria como não mostrar o espaço em Gravidade (2013). Guiraudie justifica suas intenções quando revela que esta é sua obra mais primitiva, uma vez que toda a ação transcorre no mesmo ambiente e absolutamente nada interrompe os principais símbolos do filme: a sexualidade, a excitação e a tensão. Elementos que, somados à violência retratada no universo unicamente habitado por homens, remete ao cultuado Parceiros da Noite (1980), de William Friedkin.

Guiraudie impõe uma estrutura básica para sua ação e a interação entre personagens: a chegada no estacionamento, a praia, o lago, a mata, a saída do estacionamento e tudo se repete. A rotineira fórmula se torna o cárcere de Franck, que testemunha de longe o crime de Michel e se submete a um jogo de sedução com o assassino, para o desânimo de Henri e sob o olhar atento do caricato detetive que passa a investigar o local.

Um Estranho no Lago não seria tão exitoso caso seu elenco refutasse a verdade do filme e as motivações de seus personagens. Além de Pierre Deladonchamps e Christophe Paou como Franck e Michel, que interagem num magnetismo pungente, as passagens protagonizadas Patrick d'Assumçao como Henri são igualmente interessantes, ainda que mais introspectivas e até existencialistas. Outros tipos com menor participação, como um engraçado voyeur e o próprio Guiraudie na pele de um dos nudistas do lago, ajudam a compor a paisagem visual desse incomum ambiente – simbólica e lindamente retratado na ilustração que serve de cartaz para o filme.

Elementos como luz, sombra e vento – em especial sobre a água – desenvolvem na belíssima fotografia de Claire Mathon o inerente sentimento de que algo de muito errado está para acontecer. Artifícios mais recorrentes ao cinema de gênero são revistos enquanto o filme se encaminha para o clímax, porém acabam sublimados na atmosfera naturalista que envolve os espectadores mais incautos. Méritos da originalidade e ousadia tão comuns ao cinema de Alain Guiraudie.

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