Sinopse
A vida sexual de seis casais com demandas completamente diferentes. As fantasias e as intensidades são diversas.
Crítica
Há alguns anos, o ator, diretor e roteirista australiano Josh Lawson causou algum barulho no circuito independente com a comédia A Pequena Morte (2014), que marcou sua estreia como realizador. Tratava-se de uma coletânea de histórias inusitadas, todas envolvendo obsessões sexuais fora do comum, mas que talvez pelo tema – sexo sempre rende – ou curiosidade da proposta, acabou alcançando alguma repercussão (seis indicações na Academia de Cinema da Austrália – mas nenhuma vitória, prêmio do publico no SXSW Film Festival), ainda que não merecesse. Pois bem, eis que agora, quase uma década depois, o mesmo argumento volta a assombrar espectadores incautos, agora com sotaque francês – e vamos combinar, na língua de Voltaire tudo parece sempre mais ousado, certo? Bom, eis aqui Fetiches para provar o contrário. Apesar do elenco estrelado e das assinaturas de respeito por trás das câmeras, o resultado é tão decepcionante quanto o verificado no longa que serviu de inspiração.
Apesar do termo “a pequena morte” ter surgido, veja só!, na França (vem desde o século XIX e serve como eufemismo para ‘orgasmo’), essa nova versão optou por evitar o batismo original, partindo para um ainda mais genérico. É de se perguntar o que teria motivado os irmãos David e Stéphane Foenkinos a se interessarem por esse projeto. Ambos diretores e roteiristas, entregaram antes títulos superiores, como o sensível A Delicadeza do Amor (2011) – baseado no livro A Delicadeza, de David Foenkinos – e Jalouse (2017). Os dois, aliás, indicados ao César, algo que não se sucedeu nesse esforço recente. O que estabelecem em cena, a partir de seis contos aleatórios, são cenários que, supostamente, deveriam provocar interesse e estimular um olhar excitante a respeito de um tema há muito explorado – e, pelo desleixo percebido em muitas dessas abordagens, também por vezes esgotado. Mas o que se encontra são piadas de um tom só, que logo se mostram vazias de profundidade além de uma observação imediata e pontual. Pensam estar fazendo cinema, mas se mostram mais propensos a uma brincadeira inconsequente tão fidedigna quanto um apontamento não verificado na Wikipedia.
O curta inicial, “Ludofilia”, é sobre um casal que, após 18 anos juntos, decide interpretar papéis e criar personagens para apimentar a relação. Assim, numa semana ele pode ser um policial que interpela uma motorista desatenta, como na seguinte irá surgir como um médico que exige exames mais detalhados. O que irá acontecer entre eles, porém, é por demais previsível, e dará o tom das histórias seguintes. Não se procura analisar essas prováveis patologias e suas repercussões entre os envolvidos. Pelo contrário, baseia-se em casos tidos como singulares, e por isso mesmo, desprovidos de maior identificação com a plateia. Afinal, basta demonstrar atenção ao episódio seguinte, sobre um homem que se apaixona sempre pela “irmã”. Ou seja, assim que arruma uma namorada, após diversas declarações de amor infinito, rapidamente passará a se aproximar da irmã dessa. E assim que fizer a troca, a irmã da seguinte (sim, se trata de uma família de 3 irmãs) será sua próxima meta. As características são tão particulares, e passíveis de premeditação, que seu evidente desdobramento se mostra não mais do que entediante.
Mais dois capítulos resvalam em propostas que não conseguem ir além do conceito que tentam desenvolver. Monica Bellucci e Carole Bouquet – curiosamente, duas ex-Bond Girls, a primeira em 007 Contra Spectre (2015) e a segunda em 007 Somente Para Seus Olhos (1981) – surgem como um casal que só consegue se excitar em funerais. Sem coragem para partir para o bizarro (imagine as duas como serial killers em nome de um amor incompreendido?), tudo o que fazem é trabalhar como voluntárias em asilos enquanto torcem para um primo distante sucumbir a uma forte pneumonia – sim, pois não basta ser um velório qualquer, é preciso ter envolvimento emocional com o falecido, como afirmam com todas as letras. Ou seja, deveria ser engraçado, mas é apenas de mau gosto. Também desprovida de graça é a tentativa dos jovens namorados em provar aos amigos que é possível, sim, ser feliz sem sexo. Como se abstinência sexual, ou a simples falta de interesse, fosse algo raro – conforme o Programa de Estudo da Sexualidade do Instituto de Psiquiatria do Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, essa população corresponde a 7,7% das mulheres e 2,5% dos homens, entre 18 e 80 anos. Como se vê, não basta aos Foenkinos serem inadequados, mas são, também, desinformados.
Mas nem tudo é tragédia. Há ao menos dois segmentos que, pelo esforço de suas protagonistas femininas, conseguem escapar de um lugar-comum descartável. O primeiro é ‘Dacrifilia’, sobre uma mulher (Céline Sallette, de Solo Vermelho, 2020) que acredita estar perdendo tesão pelo marido, mas ao vê-lo chorar, se dá conta do reacender da chama. Deste momento em diante, tentará fazer o companheiro ficar triste sob as mais diversas desculpas, apenas para manter a vida sexual dos dois, o que resulta em situações, no mínimo, inesperadas. Mas a melhor mesmo é a última, que procura analisar o que acontece a um casal de exibicionistas (a maravilhosa Karin Viard e Jean-Paul Rouve, de Piaf: Um Hino ao Amor, 2007) que precisa enfrentar o preconceito de vizinhos e colegas de trabalho quando uma fita de sexo caseira acaba vazando na internet. Esse mesmo mote já gerou filmes inteiros, e é certo que poderia aqui também ser melhor desenvolvido. No entanto, o que se vê é suficiente para render alguns questionamentos e reflexões pertinentes ao moralismo da sociedade contemporânea. É alguma coisa, ainda que não o bastante para valer o esforço que Fetiches exige do início ao fim. Ah, e se servir de alerta, esta é a segunda refilmagem da mesma história: bom evitar também o espanhol Kiki: Os Segredos do Desejo (2016). Afinal, quem avisa, amigo é.
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