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Sinopse

A Mangueira foi campeã do Carnaval 2016 com uma homenagem a Maria Bethânia, escolhendo como recorte principal a peculiar religiosidade da cantora, que é devota do catolicismo e do candomblé. A construção deste desfile, desde os desenhos das primeiras alegorias à passagem pela avenida. Uma viagem ao lado da cantora até o recôncavo baiano, participando de seu ambiente familiar, religioso e das festas da sua cidade natal, Santo Amaro, conhecendo o universo que inspirou o enredo e apontando algumas influências no surgimento do samba carioca.

Crítica

A Estação Primeira de Mangueira sagrou-se campeã do carnaval do Rio de Janeiro em 2016 com uma bonita homenagem a Maria Bethânia. O cineasta Márcio Debellian utiliza esse encontro feliz entre uma das intérpretes incontornáveis da música popular brasileira e a agremiação carinhosamente conhecida como verde-e-rosa, verdadeiro emblema da festa de Momo, para estabelecer um percurso afetivo, bonito e, a despeito de algumas dispersões, criar um documento sucinto com diversos vieses. Em meio a depoimentos da protagonista e de seus irmãos, Caetano e Mabel Veloso, há o alinhave de ligações fortes, como a que une o Rio de Janeiro e a Bahia. O samba que cunhou boa parte da identidade cultural da Cidade Maravilhosa é proveniente da capital nordestina onde mais aportaram navios negreiros com africanos escravizados, tráfico que também fazia parte do cotidiano da metrópole abençoada por São Sebastião. Em Fevereiros, Bethânia, baiana de nascimento, cidadã carioca por escolha, é esquadrinhada como um vetor dessa relação.

O começo de Fevereiros é dedicado à demonstração do elo de Bethânia com sua cidade natal, Santo Amaro, no Recôncavo Baiano. Histórias da meninice dos Veloso são alternadas com demonstrações de fé. Catolicismo e candomblé convivem harmoniosamente, influenciando quem imortalizou canções como Sonho Meu e Fera Ferida. O realizador sublinha o fato de não haver conflito, pelo contrário, uma vez que o sincretismo é considerado bem-vindo sintoma da miscigenação que deu ao Brasil sua singularidade. Nesse ponto de recordações, as intrusões de imagens antigas e de outras tratadas com o intuito de parecer envelhecidas, servem de projeção imagética das lembranças frequentemente utilizadas como argamassa da narrativa. Sobressai, no entanto, uma compartimentação incômoda, pois praticamente o samba-enredo mangueirense é deixado de lado, retomado adiante tão logo pareça esgotada essa dimensão memorialística e terna.

Fevereiros diz muito, ainda que haja percalços no diálogo entre as instâncias. De solavanco, a câmera retorna à Mangueira, à quadra onde centenas de integrantes festejam a escolha do samba-enredo que os levaria ao tão almejado título. Os testemunhos do carnavalesco Leandro Vieira servem, ao mesmo tempo, para destrinchar o processo de transposição da vida de Bethânia ao posterior desfile na Sapucaí e, de certa forma, para explicar determinadas coisas que o longa-metragem acessa por vias distintas. A religiosidade de Maria Bethânia é um dos elementos bem estudados. Ela fala bastante da devoção por Nossa Senhora, do medo sentido na infância, quando na escola das freiras, de um Deus que tudo via – e possivelmente censurava –, mas também afirma a sua admiração pelos orixás, considerando válida toda crença que leve a uma elevação espiritual. Márcio Debellian valoriza tal aspecto, lhe conferindo contornos de imprescindibilidade, espraiando isso ao todo.

Bethânia é representante desse Brasil miscigenado, sincrético, criativo e aferrado às raízes. Fevereiros cumpre bem o papel de fazer dela um símbolo, sem com isso mitifica-la demasiadamente. O maior e mais significativo senão é realmente o contorno desconjuntado da alternância entre Rio de Janeiro e Bahia. Ocasionalmente há uma compartimentação que, inclusive, exerce força contrária ao espírito almejado, ou seja, o de integração por meio da artista. A menção a Jorge Amado, bem como as imagens preciosas dele em contato com Mãe Menininha do Gantois, são indícios da tentativa, no mais das vezes bem-sucedida, de apresentar a Bahia como espaço democrático de convivência das diferenças, pois o escritor, ateu convicto, dizia não duvidar dos milagres das religiões de matriz africana. A despeito das fragilidades conceituais, boa parte delas concernente ao roteiro, Márcio Debellian revela a doçura e a profundidade da menina dos olhos de Oyá que é devota de Maria.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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