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“A maior catástrofe da natureza é a perda”, afirma Iran, protagonista de Fica Mais Escuro Antes do Amanhecer – vivido pelo diretor e roteirista Thiago Luciano, que realiza aqui seu segundo longa-metragem – encerrando o monólogo inicial a respeito da mecânica da memória, de sua ordenação e tempo particulares. Tais divagações, expostas através da narração em off e acompanhadas por imagens de Iran ao lado da esposa Lara (Lucy Ramos), servem como base para o estabelecimento do aspecto formal da narrativa – fragmentada e não linear – como também sugerem uma temática central: a do luto, que se abate sobre o casal em decorrência da morte do filho recém-nascido. Um drama que acaba inserido por Thiago Luciano num universo quimérico – vislumbre em chave hiperbólica de um possível futuro marcado por drásticas mudanças climáticas – que abriga a cidade de nome nunca mencionado onde Iran, funcionário de uma fábrica de gelo, vive.

De uma semana de total escuridão, passando por dias de calor escaldante, até a chegada de uma espécie de nova era glacial, as transformações do clima, gradativamente, passam a exercer um efeito não apenas físico, mas também psicológico sobre os personagens. Esse aspecto, em particular, torna possível traçar um paralelo entre Fica Mais Escuro Antes do Amanhecer e outra produção nacional recente: Tropykaos (2015), que acompanha a imersão de seu personagem principal, um jovem poeta, numa espiral de loucura e violência causada pelas altas temperaturas do “verão mais quente dos últimos cinquenta anos em Salvador”. Nessa comparação, ainda que não isento de fragilidades, o trabalho de estreia do diretor baiano Daniel Lisboa se mostra mais bem-sucedido em suas ambições metafóricas, abraçando sem pudores, e de modo mais coeso, a veia surrealista, de traços ligeiramente grotescos, e anárquica.

O longa de Thiago Luciano, por sua vez, embora parta de uma premissa aberta ao onírico – não por acaso, em determinada sequência, a câmera procura a capa do livro A Interpretação dos Sonhos, de Sigmund Freud, destacando-a em meio aos objetos de cena –, transmite a todo tempo o desejo de busca por uma gravidade concreta, bem como por uma profundidade dramática e filosófica, que, além de não se materializar completamente, entra em conflito com os elementos fantasiosos que o povoam. O ruído gerado por essa abordagem conflitante faz com que passagens de tom insólito, e que se supõem alegóricas, soem deslocadas, assim como a caracterização exagerada, no limite da paródia, da figura do dono da fábrica (papel de Caco Ciocler), que destoa completamente de todos à sua volta, gerando apenas um estranhamento vazio.

O tempo despendido a esse personagem, à sua secretária (Kadi Moreno), à rotina de trabalho da fábrica, e a outros coadjuvantes, como a mãe de Iran (Imara Reis), pouco acrescenta à trama, terminando somente por desviá-la do foco na questão principal do enfrentamento do luto. Nesse ponto, a opção pela não linearidade e a fragmentação narrativa se revela um fator debilitante, pois a noção da passagem do tempo é essencial à construção dos estágios do luto, cuja força aqui é diluída entre os relances que apresentam a dinâmica da relação de Iran e Lara, e a postura de ambos diante da tragédia. Os confrontos expostos carecem de peso, seja proveniente das situações em si ou do texto, que pouco oferece aos competentes atores – o caso do diálogo em que o dono da fábrica tenta fazer uma associação entre uma lata de doce e a realidade de Iran exemplifica bem essa carência.

No campo simbólico, Fica Mais Escuro Antes do Amanhecer deixa ainda de explorar com mais afinco o elemento das mudanças climáticas – o mergulho nas trevas da dor da perda, o isolamento do inverno etc. – com o diretor parecendo jogar quase toda a responsabilidade de transmissão de carga dramática para a trilha sonora de Teco Fuchs, que logo se torna excessiva. Não se pode negar que o cineasta demonstra algum apuro estético, com planos bem construídos que valorizam especialmente as paisagens naturais da Patagônia. Contudo, essas belas imagens permanecem soltas dentro de um longa que, por mais que se esforce, como em seu desfecho idílico/apocalíptico, fica aquém de suas aspirações poéticas, provocando poucas reflexões. Seja sobre as relações humanas ou sobre catástrofes naturais.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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