Crítica


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Sinopse

Bigger Thomas é um jovem negro que consegue um emprego como motorista para uma família branca e rica. Quando o rapaz comete acidentalmente um ato de violência contra um membro da família, ele se envolve em um esquema de encobrimento que acaba gerando mais crimes.

Crítica

Bigger (Ashton Sanders), protagonista de Filho Nativo, não pretende deixar-se encaixar em quaisquer arquétipos, principalmente os atrelados à sua negritude. Ele não gosta de Hip-hop, preferindo o Heavy Metal e a Ópera ao ritmo que nasceu como forma de externar a revolta das populações menos favorecidas. Sua subjetividade, o modo como a mesma é apresentada, ainda que num contexto claudicante, é o que de melhor o longa-metragem do estreante Rashid Johnson oferece. E isso também é fruto do ótimo trabalho de Sanders, ator mais conhecido, até então, como intérprete de uma das versões de Chiron, a figura central de Moonlight: Sob a Luz do Luar (2016). Aqui ele encarna um tipo de difícil classificação, justamente pela negação sucessiva de padrões que possam lhe colocar nesta ou naquela caixinha e assim delimita-lo. Mesmo não observando tão atentamente as questões desprendidas das diversas abordagens, o filme tem uma metade inicial instigante.

Bigger, após resistir às investidas do amigo insistente para que eles levem a cabo um assalto, consegue emprego como motorista particular. Antes da tragédia proporcionar uma guinada em Filho Nativo, objetável é a displicência quanto aos pontos de natureza política e racial. O jovem é muito bem recebido no palácio que lhe disponibiliza todos os benefícios em troca de uma jornada de trabalho justa, ainda que certos traços de servilismo – como as escadarias separadas – incitem uma leitura evidente das relações de trabalho baseadas em hierarquias cartesianamente determinadas pelo dinheiro. Todavia, ele abusa de certos benefícios, levando amigos para passear, quando o salvo-conduto do patrão se limitava a uma volta com a namorada. Felizmente, o realizador não pretende julgá-lo, ainda que o entrelaçamento de vários nós deixe margem para isso acontecer. Big é complexo, imprevisível, enquanto os coadjuvantes estão mais para figuras bidimensionais. Exemplo disso a herdeira que vocifera levianamente contra o sistema burguês do qual é beneficiária.

Filho Adotivo toma uma direção diferente tão logo haja o assassinato culposo e a ocultação do cadáver. Primeiro, a sequência é mal encenada, com o incidente soando bastante inverossímil. Ainda que o ato da entorpecida debatendo-se pudesse ser associado aos efeitos colaterais das drogas ilícitas, Bigger é descolado o suficiente para não cometer o equívoco que vira sua vida do avesso. Nessa toada, a fumaça pestilenta saída do forno de aquecimento da casa não ser minimamente percebida, por nenhum dos moradores, é outra circunstância difícil de engolir. Fora isso, os desdobramentos do crime passam por episódios problemáticos, tais como a solidariedade irrestrita do ex-namorado, que oferece ao acusado auxilio jurídico. Fato que, em virtude do posicionamento político, Jan (Nick Robinson) sabe perfeitamente que um rapaz negro tende a ser injustiçado. Porém, esse amparo entre dois homens, quando há uma vítima mulher, adquire outros tons.

Tendo em vista que o feminicídio é uma constante, Filho Adotivo quase embaralha as coisas, primeiro, por não ter estofo adequado para delinear um diagnóstico das conjunturas com base nas tensões de ordem racial; e, segundo, pela recorrência acrítica da agressividade de Bigger especificamente diante de mulheres relutantes. Além da falta de um entendimento desse cenário em que resvala acintosamente num par de momentos, Filho Adotivo passa longe de sustentar a existência de uma personalidade irascível como motor desses rompantes do protagonista. Falta uma mirada atenta às filigranas, às possibilidades e às dificuldades que se apresentam a esse rapaz que acaba tragado para um redemoinho de complicações. A metade final do filme é problemática, enquanto execução e discurso, especialmente por deixar várias pontas soltas, sem atenção, na medida em que empurra o protagonista ao abismo, e esforços para radiografar esse mundo intrincado com sensibilidade.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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