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Crítica


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Sinopse

Uma família empreende uma jornada pela natureza selvagem da África do Sul. Quando o caçula some durante uma nevasca, a primogênita reúne toda a sua coragem para afrontar a tempestade e encontrar o irmão.

Crítica

Uma jovem garota acalenta um bebê e o coloca para dormir em seu quarto, enquanto, do lado de fora da casa, um homem enterra um corpo. A montagem que intercala estas imagens aos créditos iniciais de Filhos da Tempestade expõe rapidamente o ar trágico e soturno que envolve os personagens deste longa-metragem de estreia do diretor Matthys Boshoff. Já na sequência seguinte, encontramos o trio atravessando a paisagem selvagem sul-africana do século XIX e descobrimos que o corpo enterrado era o de Marie De Beer, esposa de Herman (Stian Bam) e mãe da agora adolescente Rachel (Zonika de Vries) e do pequeno Jamie (Johannes Jordaan). Carregando seus poucos pertences em uma velha carroça puxada por algumas cabeças de gado, os De Beer partem em busca do recomeço em uma região afastada conhecida por suas minas de ouro, onde Herman, ferreiro experiente, pretende se instalar e conseguir o sustento da família com o conserto das pás e ferramentas daqueles que tentam a sorte à procura do tesouro dourado.

Ainda que a sinopse oficial e o próprio título possam sugerir um drama de sobrevivência de escopo épico, trazendo o embate entre o homem e a natureza, com os belos e vastos cenários montanhosos, que remetem aos faroestes clássicos, colaborando para tal sugestão, a narrativa imposta por Boshoff se mostra muito mais intimista e, até mesmo, minimalista em diversos aspectos. Sua abordagem tem foco na construção cadenciada de dinâmicas interpessoais, especialmente a partir do encontro do trio protagonista com um outro núcleo familiar. Necessitando de suprimentos, repouso e reparos em seu meio de transporte, os De Beer encontram abrigo na fazenda isolada onde vive o casal George (Marius Weyers) e Jacoba (Sandra Prinsloo), ao lado de sua filha, Sara (Antoinette Louw) e do capataz, Lazarus (Seputla Sebogodi). Dos pequenos conflitos, em sua maioria silenciosos e interiorizados, entre os anfitriões e o reservado e amargurado Herman – que, mesmo agradecido pela hospitalidade, faz questão lembrar constantemente aos filhos que seus negócios não dizem respeito a mais ninguém – Boshoff passa a desenvolver uma envolvente teia de relações.

Tal estrutura é sustentada pela figura de Rachel e por sua jornada de amadurecimento precoce. A jovem, que desde muito cedo se viu obrigada a assumir grandes responsabilidades, como os cuidados com o irmão mais novo, trava uma batalha particular com a própria memória pela preservação da imagem de sua mãe – que surge em sonhos recorrentes sem revelar o rosto, mas fazendo um pedido literal para que a filha não se esqueça dela. Batalha esta que tem como outro grande adversário o desejo de Herman em enterrar o passado – algo que carrega um misto de mistério, rancor e fatos não ditos – e que ainda encontra um paralelo na luta de Jacoba contra seus lapsos de memória, cada vez mais intensos, causados pela idade avançada e, possivelmente, por alguma doença degenerativa, como o Alzheimer.

De forma sutil, o diretor vai estabelecendo essas conexões, com Rachel encontrando em Sara fragmentos da figura materna perdida, fortalecida pela insinuação discreta de uma aproximação da personagem com Herman. Boshoff injeta mais complexidade na dinâmica com a repentina entrada na trama de Kingsley (Charlie Bouguenon), affair britânico do passado de Sara, que retorna após anos para a formação de um quase triângulo amoroso. Se valendo do trabalho competente de todo o elenco – em particular do carisma de Zonika de Vries – e de algum apuro visual, tirando muito proveito da ambientação, Boshoff cria certas expectativas em relação às possibilidades que se abrem para o futuro dos personagens. Contudo, a tragédia presente na sequência do prólogo acompanha os De Beer, com a ameaça sempre à espreita, sejam os animais selvagens que surgem pontualmente ou a tormenta de neve tão alardeada por George desde a chegada de seus hóspedes.

Desta forma, o terceiro ato de Filhos da Tempestade acaba finalmente fazendo jus ao próprio título, gerando uma ruptura no tom comedido estabelecido até então. Entretanto, por mais que tente criar a atmosfera angustiante e de tensão que o drama de sobrevivência pelo qual envereda demanda, Boshoff não consegue fazer dessa virada algo particularmente impactante. Mais do que a comoção, a tenebrosa nevasca promove a interrupção da interessante construção das relações entre personagens e seus potenciais desdobramentos para transformar a trama em um conto de sacrifício. Uma escolha que não deixa ter seu mérito pelo risco aceito, abdicando do sentimentalismo, e do convencionalismo, do final feliz, mas que produz certa frustração ao soterrar um desenvolvimento promissor com sua visão bastante fatalista do mundo.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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