Crítica
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Crítica
O pequeno Ali (Emir Ali Dogrul) sente saudades da mãe. Quando foge de casa para escapar aos maus-tratos do padrasto, ele encontra abrigo junto a Mehmet (Çagatay Ulusoy), um catador de papelão que também possui traumas familiares. O melhor amigo deste é Gonzales (Ersin Arici), homem órfão que tatuou uma mãe imaginária no corpo. Eles vivem sob os cuidados de Tehsin (Turgay Tanülkü), homem revoltado com o descaso em relação a tantas crianças turcas. Ao redor, vivem dezenas de garotos em situação de rua, abandonados pelas famílias. Filhos de Istambul (2021) é um filme estrelado por homens tristes porque cresceram sem o carinho das mães, e hoje sofrem com graves problemas psicológicos decorrentes do trauma. No fundo, a dúzia de personagens constitui uma figura só, um emaranhado de subjetividades afetadas por questões sociais e psíquicas. Neste sentido, a tradução brasileira apresenta um bom título à obra: ao invés do nome original e internacional (Vidas de Papel), a Netflix Brasil opta por enxergar estes protagonistas em sua condição de filhos. Na ausência de mãe, pertencem à cidade, dormindo numa viela batizada, sem qualquer sutileza, de “Beco das Adversidades”.
A principal surpresa diante desta grande produção se encontra no trabalho de direção de fotografia. A miséria em países pobres dificilmente seria associada às cores neon, no entanto Serkan Güler transforma a convivência noturna no interior de cortiços num universo multicolorido que vai do lilás ao azul, passando pelo amarelo forte das lâmpadas noturnas e pelas vielas alaranjadas, tomadas por uma espessa camada de fumaça surgindo sabe-se lá de onde. A oficina de Mehmet, repleta de ratos e pedaços de lixo, é iluminada com esmero por frestas e luzes variadas, enquanto uma sauna reservada ao banho público de cidadãos pobres recebe o tratamento fotográfico de um santuário religioso. A direção de fotografia embeleza estes espaços com tantos recursos (estabilizadores de imagem, refletores, movimentos em todas as direções) que recai em algumas leituras mais prováveis: 1. A ideia de que, apesar da pobreza, o mundo está repleto de beleza por todos os lados, bastando procurá-la, 2. A sugestão de que personagens gentis devem ser filmados com gentileza, ou seja, com cuidado e artificialidades, 3. O desejo de filmar a sujeira sem o teor “desagradável aos olhos”, evitando estética do grito e da revolta.
Todos estes caminhos conduzem ao embelezamento da precariedade, também conhecido em terras brasileiras como “cosmética da fome”. Cidade de Deus (2002) vem à mente diante da produção turca, tanto pela câmera malabarista, correndo por avenidas e ruelas, quanto pela necessidade de embalar os corpos suados e as moradias decadentes numa estética aprazível ao público médio. Esta forma de cinema evoca boas intenções e ternura caridosa, ao mesmo tempo em que sugere o fatalismo: a realidade destas pessoas é trágica, incapaz de mudança. Certamente não é sua culpa, caro espectador, nem da sociedade, da política, do governo, do sistema. Trata-se de propostas artísticas para aliviar a consciência burguesa, ao invés de promover a transformação social – em outras palavras, são obras que lamentam a pobreza, sem cogitar confrontá-la. Filhos de Istambul transmite um olhar piedoso: há crianças abandonadas, pessoas pobres morrendo na fila do transplante de rim, crianças espancadas, dependentes de drogas e chorando a falta da mãe, mães espancadas chorando a falta dos filhos, mendigos brigando entre si por pedaços de papelão encontrado na rua. A vida realmente é uma droga. Mas fazer o quê, né?
Durante dois terços da projeção, o drama se mantém relativamente contido na condução da trama. As cores piscam belamente e os personagens sofrem chagas do espírito e do corpo, no entanto o diretor Can Ulkay permite que a união entre Mehmet, transformado em pai simbólico, e o pequeno Ali, se desenvolva em ritmo agradável, assumindo o caráter de fábula e disparando pérolas de autoajuda aqui e acolá. “Morrer não é o problema. Mas e os sonhos que temos?”, lança um personagem. É uma pena que o ator mirim seja tão mal dirigido: o menino arregala os olhos e sugere felicidade com o exagero típico da atuação publicitária. O rosto levemente sujo pelo setor de maquiagem, as roupas assépticas e o posterior embelezamento do garoto condizem com a estratégia de maquiar a pobreza. Diante do pequeno ator, Çagatay Ulusoy possui uma prestação competente, transitando entre as funções de sofredor, patrão dos demais catadores, e malandro do bairro. (Curiosamente, em decorrência do trauma materno, nenhum destes homens ostenta desejo amoroso ou sexual. Os romances são inexistentes). Ersin Arici também impressiona pela composição tragicômica do capanga limitado intelectualmente, em equilíbrio com o “avô” Tahsin, símbolo de sabedoria. Turgay Tanülkü possui tamanha força em cena, com a fala tranquila e os gestos seguros, que soa desperdiçado pela pequena participação.
O terço final coloca esta trajetória a perder. O melodrama sugerido pela estética contamina o roteiro com tintas gloriosas: há cenas de sofrimento em câmera lenta, mortes ao som de violinos, chuvas redentoras em situação de perigo, desaparecimentos no meio da rua, cenas de luta filmadas com câmera giratória etc. As figuras razoavelmente naturalistas da primeira parte se convertem em vítimas, mártires e heróis. A reviravolta final passa a ser explicada e reexplicada pelos coadjuvantes, para garantir que todos os espectadores tenham compreendido a simples guinada. Ulkay conclui um cinema do paternalismo: ele é gentil com seus personagens, que considera pobres coitados, e terno com os espectadores, que estima pouco perspicazes. A direção se coloca no papel de pai, padre, juiz e professor, reforçando a lição de moral no fim de sua parábola. Embora não evoque diretamente o peso da religiosidade, o drama se assemelha a tantas obras de cunho religioso amplo, servindo a qualquer grande religião (cristianismo, judaísmo, islamismo). O discurso se compadece do mundo de sofredores, sugerindo que as pessoas aguentem estoicamente os golpes do destino incontornável. O desfecho constitui o cúmulo do conformismo em relação a Mehmet e Ali, que se sacrificam para nós, espectadores, em nome de nossa diversão e aprendizado virtuoso. Haja coração para tantas obras clementes, ou em alguns casos, haja estômago.
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Os turcos tem tão grande potencial para contar estórias. E uma pena que grande parte das obras seja contaminada por essa visão de mundo que eles tem. O conservadorismo e a religião são capazes de moldar até as mentes mais brilhantes. Vejo isso especialmente na questão da inexistência de romances, flertes ou mesmo, mulheres na trama.
https://www.papodecinema.com.br/videos/podcast-2021-38-cinema-e-licao-de-vida/
Bruno Carmelo, primeiramente gostaria de dizer que essa sua crítica foi um LIXOOOOOOOOOO, "filme estrelado por homens tristes porque cresceram sem o carinho das mães", claro que um bosta que passou a vida toda no colinho da mamãe, criado a leite com pera não consegue ver a importância do filme. O filme aborda questões sociais de extrema importância, mas claro que não é para o seu estômago que está acostumado com novelas, BBB e Cidade Alerta a nata da TV brasileira. Fica aí na vontade de lançar um filme na NETFLIX. Vim aqui com o ADBLOCK ligadaço.
Eu discordo da sua interpretação. A fim de evitar spoiler não vou falar o que entendi; e várias outras pessoas com quem comentei o filme, e que assistiram também, entenderam o mesmo que eu. O tal terço final, que você talvez tenha visto através de óculos ideológicos, não me pareceu o mesmo que para você. Senti um certo desprezo, ou sei lá o quê, nas suas palavras quando fala dessa parte. E eu, achei simplesmente trágico, pois o menininho era simplesmente Mehmet. Não foi isso o que você entendeu? Esse filme mostrou a realidade das ruas da Turquia, e não tinha nada de fantasia burguesa (esta palavra já diz tudo).
Luiz, esta informação é essencial, mas como aparece apenas no desfecho, constitui um spoiler, por isso preferi não abordar no texto.
Caro Bruno, não entrarei em detalhes acerca das questões técnicas destacadas em seu texto, pois vou deixá-las para os especialistas como você. Só gostaria de considerar algo que a sua análise preferiu não salientar. Penso que Mehmet e Ali "podem" ser percebidos como sendo a mesma pessoa. Na verdade, como bem salienta Gonzi já quase no final da trama, Ali foi uma maneira encontrada por Mehmet para lidar com sua perturbadora infância. Talvez você não considere isso relevante, mas me parece que se trata de algo razoavelmente significativo. Saudações.
Desculpe, mas sua critica, é muito cretina! Não vou nem argumentar, você levanta pontos irrelevantes, como o caso da fotografia. Logo se vê a sua total insensibilidade, talvez você capte o olhar da miséria, pelo viés da academia, mas te digo, o olhar mostrado no filmes, retrata o que as pessoas que vivem ali na miséria acabam enxergando dentro do mundo que vivem.
Achei o filme um máximo,mais oque não gostei do final muito sem graça.