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Sinopse

Neto de um membro da Ku Klux Klan, Bob resolve questionar a segregação racial nos Estados Unidos dos anos 1960. Isso gera uma resposta violenta dos grupos supremacistas norte-americanos.

Crítica

A principal coisa que o espectador precisa saber a respeito de Filhos do Ódio é que Barry Alexander Brown, diretor e roteirista desse projeto, é parceiro de Spike Lee há anos, desde o início da carreira do celebrado cineasta – foi editor de títulos como Faça a Coisa Certa (1989) e Infiltrado na Klan (2018), por exemplo. É provável, portanto, que o realizador vencedor do Oscar tenha sido o apoio decisivo para que essa história, enfim, tenha ganho as telas. Trata-se da adaptação do livro The Wrong Side of the Murder Creek, de Constance Curry, que transforma em ficção a vida real de Bob Zellner, aqui interpretado por um inexpressivo Lucas Till. O garoto, que despontou como um dos mutantes de X-Men: Primeira Classe (2011) ou como um rejuvenescido MacGyver (2016-2021), é, no entanto, apenas um dos tantos deslizes desse longa que transpira boas intenções, apenas para deixar claro que, destas, o inferno está mais do que cheio.

Assim como o montador branco que levou maior parte da sua carreira ajudando a contar histórias de negros, Filhos do Ódio também trata de uma pessoa branca voltada especificamente para uma causa negra. No caso, trata-se de uma jornada de luta pelos direitos humanos – em especial, em defesa da população afrodescendente – no sul dos Estados Unidos, no ano de 1961. Porém, se naquela região e época o racismo era prática comum – e aceita pela maioria – e os poucos que ousavam se levantar contra tais violências eram tratados com uma repulsa e agressividade ainda maior, o que Alexander Brown quer mostrar através do seu relato é que não eram apenas esses – os negros, afinal – que sofriam na pele essa discriminação. Isso se dá pois escolhe narrar essa trajetória de discriminações e desrespeitos contra uma raça tendo como protagonista, ora veja só, alguém da pele mais alva possível. Sim, Zellner ousou não ser igual aos seus pais e avós – um desses, o paterno, chegava a ser membro da Ku Klux Klan. Como se isso bastasse para ser considerado herói.

Pois é desta forma que Bob Zellner é tratado durante a maior parte da narrativa: como se, por estar fazendo o mínimo em direção ao que é certo, fosse digno de aplausos e celebrações. Claro que é preciso entender seu contexto – havia sido criado de tal forma, e condicionado desde pequeno a entender o preconceito como algo natural – mas não era um qualquer. Logo no começo da trama a audiência é confrontada com ele já em um ambiente universitário, o que deixa evidente seu grau de instrução. Na segunda metade do século XX, o mundo mudava de maneira cada vez mais rápida, e o que era certo ontem (ou, ao menos, assim se pensava), hoje não mais se encaixava. A relação entre brancos e negros era parte intrínseca dessa forma de lidar com a realidade do momento. Aprender a lidar com ela, portanto, era mais do que apenas uma questão de abrir ou fechar os olhos: era estar pronto para o amanhã.

Zellner fez diferença para muita gente, e o fato de ser um rapaz de pele quase translúcida e cabelos dourados como o sol provavelmente tenha causado um impacto especial em suas palavras. Mas teria sido ele, realmente, o melhor dos exemplos? Um que mereça ser destacado e digno de exaltação? Seis décadas após o início da sua militância, segue na ativa e com inúmeros feitos contabilizados. Qual a razão, portanto, de apresentá-lo ao grande público como um “salvador da raça negra”? Por ter se rebelado contra uma herança não apenas vergonhosa, mas merecedora de reparação histórica? Estava fazendo o correto. Num mundo tão torto, é certo que esse exemplo não pode ser ignorado. Mas porque todos os negros que surgem pelo seu caminho são apontados apenas como formadores do homem que ele se tornou – apêndices de um todo, portanto – e em posições coadjuvantes, nunca no centro das atenções? Tanto tempo se passou, e ainda é válido esse olhar paternalista, de que apenas o branco que desgraça é também aquele que pode oferecer o outro lado da moeda?

Spike Lee assina como produtor executivo de Filhos do Ódio, mais um dentre os quase 70 (!) profissionais que aparecem com a mesma função. Duas coisas se depreendem, portanto. Primeiro, se foi necessário que tanta gente investisse na ideia, é porque cada um contribuiu com um pouco – e não houve um só sequer que tenha apostado no conjunto com maior certeza ou segurança. E, segundo, se Lee acreditasse de fato nessa jornada, não teria ele próprio se encarregado de contá-la? É compreensível, portanto, que a tenha relegado a um colaborador e se certificado de que seu envolvimento fosse mínimo. Com um elenco apático, enquanto veteranos como Brian Dennehy e Cedric the Entertainer fazem participações meramente pontuais, até o uso de figuras históricas – como Rosa Parks – termina por soar manipulador (o que ela fez, por exemplo, merece muito mais atenção do que todos os Bob Zellners da vida). Os atos podem ser corretos, e os intuitos justos, porém esta não é a forma, e muito menos a ocasião que justifique ressaltá-los, seja pelo didatismo da proposta, e muito menos pelo viés catedrático de sua execução, nunca ousando ir além do medíocre.

 

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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Robledo Milani
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Alysson Oliveira
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MÉDIA
5

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