Crítica
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Sinopse
Barry é um piloto norte-americano que trafica drogas e armas para o lendário cartel de Medellín, comandado por Pablo Escobar. Quando o governo americano descobre sua influência no ramo, ele é imediatamente recrutado pela CIA, para tornar-se um agente duplo.
Crítica
Seja nas referências estéticas ou no retrato factual e histórico da época, existe um visível movimento de resgate dos anos 80 ocorrendo atualmente em Hollywood. Entre os acontecimentos marcantes da década, um, em particular, parece exercer enorme fascínio sobre indústria e público: a escalada do consumo da cocaína envolvendo a mítica por trás do Cartel de Medellín e seus líderes, como Pablo Escobar, tema de produções que vão do seriado Narcos (2015-) a longas como Conexão Escobar (2016). Em Feito na América, o cineasta Doug Liman leva para as telas a história de um dos tantos personagens reais que orbitaram esse universo, o piloto norte-americano Barry Seal (Tom Cruise). Antes tido como um prodígio dentro da companhia TWA, Seal é apresentado em 1978, já perto dos quarenta anos de idade, aproveitando seus voos enfadonhos para contrabandear charutos cubanos.
Tal atividade o coloca sob o radar do agente da CIA, Schafer (Domhnall Gleeson), que lhe propõe trabalhar para o governo. Inicialmente, sua função seria sobrevoar locais estratégicos da América Central, fotografando as atividades de supostas células comunistas, a grande “ameaça à paz americana” do período. Aos poucos, porém, Seal passa também transportar armas para os Contras – grupo de rebeldes, apoiado pela CIA, que se opunha ao governo Sandinista na Nicarágua. Ao mesmo tempo, ele começa a trabalhar para os narcotraficantes colombianos – Escobar e Ochoa – levando toneladas de cocaína para os EUA. Através da jornada de ascensão de Seal, que se viu dono de um verdadeiro império particular, instalado na cidade de Mena, Arkansas, no início dos anos 80, Liman lança seu olhar sobre os Estados Unidos da Era Reagan, com suas contradições e excessos.
A visão de Liman vem filtrada pelo humor carregado de ambiguidade, tratando do ideal do Sonho Americano entre a exaltação e a crítica, como uma espécie de mea culpa. O tom satírico, bem como a carga política do material, fica evidente desde os primeiros minutos: no logotipo vintage da Universal, no vídeo do discurso do presidente Jimmy Carter sobre a “Crise de Confiança”, e nas intervenções, gravadas em VHS, feitas por Seal, já em 1985/1986, nas quais reconta sua trajetória desde o princípio, servindo de guia narrativo. Esse aspecto quase documental, ou ao menos a tentativa de emular tal linguagem, é replicada na fotografia do uruguaio César Charlone, que, num primeiro momento, imprime uma estética que remete a seriados cômicos como The Office – nos zooms repentinos, no senso de desorientação – notórios, justamente, por seu humor autodepreciativo.
É nessa mescla de orgulho e constrangimento que o longa opera, espelhando o comportamento do protagonista que, mesmo após as contravenções, ou justamente por elas, afirma viver na “melhor nação do mundo”, revelando também certa simpatia por Reagan, enquanto o realizador exibe imagens do ex-presidente em seus tempos de ator, muitas vestido como cowboy, representação de sua postura. Afinal, para Seal, alguém que sobrevive a um filme com um macaco – em referência a Bedtime for Bonzo (1951) – e chega à Casa Branca, merece algum crédito. Liman e o roteirista Gary Spinelli se mostram plenamente cientes desse potencial paródico da história, que beira o absurdo, o insólito, em muitos momentos. A certa altura, o próprio Seal se mostra incrédulo diante do fato de ser libertado mesmo tendo a polícia, o FBI, a Divisão de Narcóticos e Agência de Aviação em seu encalço.
Abrangendo tantos acontecimentos – partindo da situação do cartel colombiano e culminando no escândalo conhecido como Caso Irã-Contras – no transcorrer de oito anos, a trama assume um ritmo caótico, que prejudica o desenvolvimento dos personagens secundários. Gleeson, assim como Sarah Wright – que vive Lucy, esposa de Barry – se esforçam com o pouco que lhes é oferecido, enquanto outras figuras, como o xerife de Mena interpretado por Jesse Plemons – que visivelmente teve sua participação reduzida no corte final – ou o cunhado redneck de Seal, que quase põe a perder todo o esquema (papel de Caleb Landry Jones), acrescentam muito menos do que poderiam. Além disso, Liman é obrigado a lidar com outro fator: o peso de ter Cruise como protagonista.
O astro, refazendo a parceira com o diretor após o ótimo No Limite do Amanhã (2014), entrega seu carisma típico, se mostrando confortável no papel do anti-herói simpático. Sua persona, contudo, muitas vezes acaba eclipsando o conteúdo, sendo indissociável do retrato fantasioso de Seal. A cena em que finge uma turbulência apenas para acordar seu copiloto e passageiros, ou a sequência de ação do pouso forçado no meio da cidade, que termina com Seal coberto de cocaína, ainda que divertidas, soam mais como algo criado para satisfazer as vontades do ator do que para servir ao personagem. Por sua vez, a escolha consciente de Liman pela via cômica retira parte do peso, do senso de gravidade, dos atos – tal qual a cena aérea de sexo entre Barry e Lucy, em que praticamente flutuam na cabine do avião – fazendo com que quase não se sinta a ameaça.
As consequências batem à porta do piloto somente no instante final, com Liman adentrando o terreno clássico dos contos trágicos dos homens “que se fazem por si mesmos”, ainda que pelas vias do crime, vistos tantas vezes nos filmes de máfia – não à toa, Seal aparece lendo um livro sobre Al Capone. É um choque de realidade no Sonho Americano, sintetizado na imagem de Lucy trabalhando como atendente em um café, mas ainda ostentando uma das jóias compradas com o dinheiro ilegal do marido. Uma constatação que, dentro da embalagem de veículo comercial para Cruise, perde parte de sua pujança, mas ainda é capaz de ressoar para além do entretenimento competente comandado por Liman.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Leonardo Ribeiro | 6 |
Jorge Ghiorzi | 6 |
Robledo Milani | 6 |
Thomas Boeira | 8 |
Renato Cabral | 6 |
MÉDIA | 6.4 |
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