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Sinopse
Seis ex-detentas retornam à hoje desativada Cadeia Pública de Santos, em São Paulo, para refletir sobre o período em que ficaram encarceradas, bem como contar como foi difícil o processo de reinserção social.
Crítica
A primeira metade de Flores do Cárcere é feita de reminiscências evocadas pelo contato com um espaço morto. Ex-detentas da Cadeia Feminina de Santos, no litoral de São Paulo, retornam ao que sobrou do lugar em que cumpriram suas penas. Desativado como aparelho prisional, o prédio abandonado está tomado por plantas que cresceram espontaneamente, sendo agora não mais que um esqueleto capaz de trazer à tona indícios do tempo de apartamento do mundo externo. Os cineastas Paulo Caldas e Bárbara Cunha estabelecem todas as interações de modos muito parecidos. Os testemunhos são intercalados, não raro atendendo a uma lógica parecida com a função de autocompletar, ou seja, fulana aborda determinado assunto ligado à sua história pregressa e beltrana continua numa toada basicamente simétrica. Alguns assuntos sobressaem nessa etapa inicial, sendo o principal a incriminação por conta da proximidade com ex-companheiros bandidos. Boa parte das mulheres ali anteriormente encarceradas foram condenadas por estarem na hora errada e na presença de pessoas comprometidas com a criminalidade. Porém, tal recorrência não é tão aprofundada.
Imagens capturadas em 2005 mostram as personagens quando presas. Paulo Caldas e Bárbara Cunha não criam uma fricção suficientemente potente entre o passado revisitado no contato com a cadeia inutilizada e esse retido em vídeo. Apenas no encerramento de Flores do Cárcere sabemos que esse material de arquivo provém de um trabalho humanitário realizado por Flávia Ribeiro de Castro naquele local, cujo resultado foi o livro que inspirou o documentário. Portanto, os vislumbres de um tempo remoto, em que as protagonistas eram jovens enfrentando como podiam suas condenações, surgem somente como uma pontuação curiosa. Na verdade, à medida que o filme evolui, adiante deixando de lado a conexão com o terreno inativado enquanto dispositivo penal, fica claro que a preocupação do projeto é mais humanista. Os realizadores lançam um olhar compreensivo sobre essas mulheres que, novamente, ganham espaço para (re)contar trajetórias e refletir sobre elas amplamente. No fim das contas, o longa é acerca de mulheres ponderando o ontem, o agora e como ainda se permitem projetar sucesso no futuro. Prova disso, o chão cedido para elas dizerem o que pretendem ser.
Paulo Caldas e Bárbara Cunha restringem o discurso das ex-detentas a exemplos de resiliência e superação, pouco mostrando as idiossincrasias do encarceramento feminino, por exemplo. Depois de lançar mão do dado de que no Brasil cerca de 42 mil mulheres estão em situação carcerária, esforços escassos são dedicados a compreender essa realidade mencionada. Prova disso, a simples citação da importância dos cônjuges à condenação da maioria das apenadas, apresentadas obviamente como um recorte, mas passíveis de simbolizar conjunturas maiores. Outros indícios de uma displicência são o rápido apontamento de temas como o envolvimento amoroso e a questão hormonal como elemento complicador do cotidiano fechado. Em dado momento, parece que Flores do Cárcere vai deixar de lado a vocação testemunhal/particular a fim de abrir o leque ao entendimento da figura feminina no contexto de um local tão associado ao masculino quanto a cadeia. Nesse sentido, entram em cena as carcereiras, mas elas contribuem insuficientemente ao painel mais amplo em pretensa construção. No frigir dos ovos, continuam sobressaindo as narrativas específicas de evolução.
Flores do Cárcere abandona, sem cerimônias ou protocolos, a cadeia deteriorada, lá penas tantas preterindo a importância da geografia ressignificada pelas lembranças. Curiosamente, na reentrância das ex-detentas nesse prédio abarrotado de memórias (a maioria delas ruins, mas com a exceção de algumas boas), Paulo Caldas e Bárbara Cunha filmam como se fizessem ficção. Isso fica evidente pela utilização de mais de uma câmera para mostrar, por meio de ângulos diversos, a emoção de umas e certa estupefação de outras. A dupla de realizadores penhora o impacto desses instantes relevantes ao querer capturar as suas várias perspectivas, pois assim abrem mão de escolher um ângulo que melhor represente o que lhes interessava na hora de revelar as tantas emoções incontidas. Estamos diante de um documentário revisionista, não porque busca corrigir questões consolidadas de modo errôneo/inconsistente, mas porque propõe uma inspeção geralmente reducionista de existências marcadas pela criminalidade e o consequente aprisionamento. Assim sendo, não apresenta muito, a não ser a possibilidade de rever, de olhar novamente para trás e de almejar o horizonte.
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