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Crítica

Vencedor do Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes 2005, Flores Partidas foi praticamente ignorado durante o circuito de premiações pré-Oscar 2006 (recebeu apenas uma indicação ao Satellite Awards como Melhor Ator em Comédia ou Musical – Bill Murray – e uma ao Independent Spirit Awards como Melhor Ator Coadjuvante – Jeffrey Wright – além de indicações europeias como Melhor Filme Estrangeiro no European Film Awards e no British Independent Film Awards). Um resultado tímido diante das inúmeras qualidades desta obra.

Em alguns casos, as combinações – de atores, realizadores, histórias e temáticas – simplesmente “pegam”, enquanto que outros similares – ou até mesmo superiores – terminam por passar desapercebidos. É o que aconteceu aqui. Durante anos tratado como um mero comediante que só havia conhecido o sucesso no início dos anos 80 com suas participações no programa Saturday Night Live, Bill Murray teve seu melhor momento junto à crítica graças ao seu desempenho em Encontros e Desencontros (2003), em que oferecia uma atuação minimalista que pouco se diferenciava de outros trabalhos de seu currículo, como Uma Mulher para Dois (1993) ou A Vida Marinha com Steve Zissou (2004). E se esse é realmente seu estilo de interpretação, a diferença está no texto que defende e no contexto ao qual se insere. Afinal, dessa mesmice pode-se alcançar momentos de excelência pura, como o que consegue em Flores Partidas.

Voltando a trabalhar com o diretor Jim Jarmusch, com quem havia feito Sobre Café e Cigarros (2003) – e que aqui realiza um dos seus longas mais acessíveis, simples e perspicazes – Murray encarna um homem vencido pelo tempo. Ele é um técnico de informática que ganhou muito dinheiro anos atrás com uma invenção, e hoje vive sem fazer muita força. Isso tanto na vida profissional quanto em seus relacionamentos amorosos e pessoais. Seus melhores amigos são a família negra que mora na casa ao lado, e todas as paixões que já teve ficaram para trás. Por isso a surpresa quando recebe uma carta não assinada lhe informando que teve um filho há 19 anos e que o garoto agora está à sua procura. Totalmente impassível – duvidando até da veracidade da missiva – acaba sendo convencido pelo vizinho (Wright, iluminado) a partir numa jornada em busca do rapaz que pode ser seu descendente. Para tanto, decide reencontrar quatro amantes daquela época e tentar descobrir qual delas lhe escreveu.

Só o fato de irmos descobrindo aos poucos as personalidades dessas mulheres – interpretadas com louvor pelas surpreendentes Sharon Stone, Frances Conroy, Jessica Lange e Tilda Swinton – já justifica qualquer elogio ao filme. Mas há mais. Bill Murray aparece em plena sintonia com cada uma elas, por mais distintas que possam ser. E a reação dele a cada nova descoberta é um dos pequenos prazeres que merecem ser apreciados com calma e sabedoria. Flores Partidas não é um filme antibiótico, de efeito imediato e ação passageira. Pelo contrário, sua eficácia é mais homeopática, dosada com carinho, agindo com parcimônia e precisão absoluta. Uma raridade, seja pela trilha sonora envolvente, pela mão delicada e inteligente do diretor, que consegue lidar com todos os elementos de sua obra com muita razão, ou pelo elenco, que enobrece ainda mais um roteiro sincero e intenso, sem deixar de ser dolorido ou divertido quando necessário. Assim como nossa própria vida, aquela que acontece no presente diário, e que não adianta ser buscada no passado e nem por ela esperar no futuro.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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