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Sinopse

Kalushi vai para o exílio após as revoltas de 1976, no Soweto, para se juntar ao movimento de libertação. Forçado a um julgamento, usa o tribunal como um campo de batalha final. Seu sacrifício o imortaliza como um herói da luta e um ícone nacional dos jovens que se juntam a Umkhonto We Sizwe.

Crítica

Não há dúvidas de que dentro da luta pelo fim do apartheid na África do Sul, o ex-presidente do país, Nelson Mandela, seja a figura mais emblemática, tendo, por esse motivo, sido retratada diversas vezes pelo cinema. Contudo, outros nomes menos conhecidos pelo resto do mundo também tiveram grande importância no combate ao regime de segregação racial que perdurou no país africano até 1994. Um desses personagens foi o estudante Solomon Kalushi Mahlangu, que tem sua trajetória narrada em Fogo Contra Fogo. Nascido em Pretoria, onde viveu ao lado da mãe e do irmão mais velho, trabalhando como camelô para auxiliar no sustento familiar, Solomon se envolveu com o movimento revolucionário ainda jovem e, após o sangrento episódio do Levante de Soweto, em junho de 1976, exilou-se em Moçambique. Posteriormente, uniu-se oficialmente ao CNA (Congresso Nacional Africano), recebendo treinamento militar em Angola.

Retornando à sua terra natal ao lado de dois companheiros, como parte de uma missão do CNA, Solomon foi preso e condenado pelo assassinato de dois civis brancos – ainda que testemunhas tenham confirmado que ele não teria sido o autor dos disparos. Foi o resultado de seu controverso julgamento que acabou transformando-o em um mártir do movimento, e é justamente esse o ponto de partida do longa que, por meio de uma montagem ligeiramente confusa, mesclando fragmentos do momento da prisão ao momento em que é levado ao tribunal, estabelece uma narrativa em flashback, que retorna ao cotidiano do protagonista dias antes do Levante de Soweto. Além de apresentar o personagem e sua história àqueles pouco ou nada familiarizados, Fogo Contra Fogo, a princípio, teria um diferencial interessante a oferecer: um ponto de vista totalmente sul-africano, do protagonista – o primeiro ator nativo a interpretar uma figura histórica do apartheid nas telas – ao diretor. Já que, até então, o tema quase sempre foi tratado sob um olhar estrangeiro, como o de Clint Eastwood em seu Invictus (2009).

Esse diferencial, contudo, acaba não sendo colocado plenamente em prática, pois, mesmo possuindo uma proximidade maior do assunto abordado, o diretor estreante Mandla Dube recorre às convenções das cinebiografias hollywoodianas para moldar sua narrativa. Que em uma das primeiras cenas, Solomon busque refúgio em um cinema cuja marquise exibe cartazes de Tubarão (1975), de Steven Spielberg, não é mera coincidência, já que é no cinema claramente comercial e popular que Dube busca inspiração. Tal referência de forma alguma soaria como demérito, caso o realizador sul-africano demonstrasse domínio sobre os arquétipos trabalhados e não pesasse a mão numa construção dramática sentimentalista, sempre em busca de ápices solenes. O intimismo e a reflexão que muitas passagens demandam acabam soterrados por essa falta de delicadeza, que inclui o uso intrusivo da trilha sonora grandiloquente.

A variação das escolhas formais – do tom mais ágil e de montagem pop do início à abordagem mais acadêmica das passagens em que adere ao drama de tribunal – soam menos como uma experimentação legítima e mais como a insegurança de um cineasta em seu primeiro longa, atirando a esmo sem um direcionamento definido. O que Dube mostra ter claro em sua proposta é a exaltação da grandiosidade e importância da temática tratada. Seja na narração em off com suas frases feitas, palavras de ordem e citações que vão de Miles Davis a Che Guevara ou no didatismo pouco sutil do discurso e das imagens – como todos os planos que mostram os personagens lendo livros como A Arte da Guerra ou Pedagogia do Oprimido, do brasileiro Paulo Freire. A necessidade de criar momentos de impacto sentimental também se faz presente, como na relação entre Solomon e o pequeno órfão do campo de refugiados de Moçambique, apelidado de Coca-Cola, que se desenvolve de forma bastante apressada.

Essa falta de consistência na construção de dinâmicas e dos próprios personagens enfraquece bastante o potencial de Fogo Contra Fogo. Figuras como a do ambíguo líder revolucionário Tommy London resultam unidimensionais e relações como a de Solomon com o irmão, a mãe ou a namorada, Brenda, acabam sendo pouco aprofundadas. Ainda que o empenho de Thabo Rametsi no papel principal seja notável, entregando uma atuação convincente e carismática, os diálogos e situações propostas privilegiam a propagação do mito à investigação do homem por trás deste.

Não que a jornada de Solomon não seja acompanhada com interesse, que debates acerca de questões como a condenação por associação não sejam levantados ou ainda que o cerne de seu discurso não tenha impacto, vide a cena do monólogo do protagonista após receber sua sentença. Contudo, a força das palavras acaba por acompanhar uma visão sobre o biografado que poucas vezes foge à idealização para adentrar uma representação tangível.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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