Crítica
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Sinopse
Durante cinco anos a cineasta síria Waad al-Kateab filmou sua vida na convulsionada cidade de Aleppo, então tomada por rebeldes. Permanecendo a fim de lutar por uma Síria livre, ela se apaixona, se casa e tem uma filha, tudo enquanto documenta a terrível violência que a cerca.
Crítica
"Em Aleppo, não há tempo para fazer o luto."
Por mais que o mundo siga fechando os olhos à barbárie ocorrida na guerra civil da Síria, o cinema documental teima em desvendar os absurdos decorrentes do conflito. For Sama, documentário indicado ao Oscar 2020, segue a linha já apresentada pelos ótimos (e devastadores) Últimos Homens em Aleppo (2017) e The Cave (2019), no sentido de apresentar um "cinema de sobrevivência". Rodado com muita câmera na mão e na medida do possível diante dos imprevistos do cotidiano - a qualquer momento um novo bombardeio pode afetar as filmagens, o que por vezes acontece -, é através do relato de quem vivencia o dia a dia que se pode constatar a gravidade e a urgência desta guerra esquecida.
O grande diferencial deste documentário em relação aos demais é a opção em mesclar diário de guerra com um bebê gerado e nascido em meio a uma cidade em batalha constante. O título do filme, inclusive, é uma declaração feita à pequena Sama, filha da diretora Waad al-Kateab com o médico Hamza al-Kateab, protagonistas do filme. A partir desta insólita junção, For Sama traz aspectos tão íntimos (e cativantes) de um relacionamento típico em uma realidade nem um pouco convencional, o que entrega um contraste constante impulsionado pela preocupação natural da maternidade. A narração em off, feita pela própria Waad, amplifica bastante tal sensação.
A bem da verdade, é a narração que unifica as muitas pontas soltas decorrentes de anos de filmagens na clandestinidade. Afinal de contas, as imagens feitas não tinham como objetivo a realização de um documentário, mas sim de registrar momentos urgentes presenciados dia sim e no outro também. É a partir do vasto material coletado que Waad selecionou o que é visto em cena, transitando entre linhas temporais de forma a dar à narrativa um tom emocional devido à ligação intrínseca com sua própria vida. For Sama, no fim das contas, é a história de vida do casal protagonista, ou melhor, a história que eles desejam exibir. Este é um ponto que merece atenção.
É bem verdade que há no documentário certas lacunas que incomodam, mas a grande questão é que a narração em off foi conduzida com o desfecho já conhecido, o que possibilitou que a narrativa fosse manipulada de forma a melhor cativar o espectador. Isto faz uma baita diferença, ainda mais com o impacto de uma bebê em plena guerra. Waad e o também diretor Edwards Watts constroem o documentário de forma que o público se afeiçoe àquele casal não apenas por seus atos, beirando o heroísmo pela coragem demonstrada tantas vezes, mas também por se identificar a eles em seus momentos como família.
Entretanto, mais do que sua estrutura, é na potência de suas imagens que For Sama se torna arrebatador. Se vermelho é a cor onipresente em um hospital de front, a câmera não poupa o espectador de cenas bem fortes e incômodas, escancarando a guerra como ela é. Inclusive, algumas delas ecoam em mente por um bom tempo, em especial o parto de urgência realizado após uma grávida ser atingida em um ataque aéreo. Waad dá também especial destaque ao aspecto emocional dos sobreviventes, não apenas aos que perderam parentes e amigos mas também ao medo constante com o qual aprenderam a viver, sob o zumbido recorrente dos aviões antes de cada bombardeio. Difícil, bem difícil.
Assim como os demais documentários que retratam a guerra em Aleppo, For Sama é um filme necessariamente pesado, de forma a ressaltar o que acontece na guerra civil da Síria. Aqui ainda há uma certa leveza decorrente de certos momentos do casal com a filha, especialmente a alegria inerente ao casamento e ao descobrir a gravidez. Tal balanço torna este filme mais "palatável" que os demais, por mais que haja certos questionamentos decorrentes do uso da narração em off e de uma trilha sonora que por vezes potencializa o suspense, em cenas já naturalmente tensas. Ainda assim, trata-se de um filme poderoso no que tem a dizer e a mostrar, neste esforço em ser ouvido em um mundo que pouco tem se importado com este canto do planeta.
Filme visto em Portugal, em fevereiro de 2020.
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