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Sinopse

Um importante juiz criminal se vê encarcerado no próprio local de trabalho, protegido por um forte esquema de segurança, pois ameaçado de morte em virtude da investigação de um figurão da política brasileira.

Crítica

O Brasil é um dos países que mais mata defensores de direitos humanos, isso de acordo com relatórios da Anistia Internacional. Há, portanto, sob o aparente véu de civilidade que rege a nossa frágil democracia, um resquício coronelista de silenciamento de toda e qualquer pessoa que visa equilibrar a balança social a favor dos desprotegidos, ou mesmo da verdade. Em Foro Íntimo, o juiz Ferreira (Gustavo Weneck) sente na pele essa realidade que, por certo, não é uma exclusividade daqui, mas que infelizmente permanece visível nas nossas tensões entre poderes oficiais e oficiosos. Confinado no fórum, destituído da liberdade individual, bem como da intimidade, ele tem uma rotina modorrenta intermitentemente acompanhada por homens armados até os dentes. O cineasta Ricardo Mehedff faz questão de sublinhar essa asfixia cotidiana causada pela necessidade de seguir à risca protocolos que transformam a vivência do magistrado num verdadeiro cárcere. Ele, sequer, pode ir ao banheiro sem escolta. O aspecto quadrado da imagem salienta esse sufocamento.

No mais das vezes se detendo na percepção do protagonista quanto a essa realidade aviltante, Foro Íntimo trabalha com a distensão temporal a fim de acentuar a angústia derivada do cálculo de cada passo, da transformação de banalidades em rituais vigiados e potencialmente perigosos. A sucessão de planos expressivos da fachada do cenário, vislumbres das linhas duras de um exterior geralmente vedado ao juiz enclausurado, servem a esse propósito de indeterminar o tempo psicológico, mesmo que personagens coadjuvantes, com suas entradas e participações que sinalizam a continuidade da normalidade fora daquela sala principal, permitam-nos compreender quantas horas se passam entre o começo e o fim do longa-metragem. O som é bastante importante à construção dessa atmosfera opressora, especialmente por conta da carga de dramaticidade que impõe ao conjunto, inclusive com o intuito de que certas inserções sejam compreendidas como possíveis frutos da imaginação do sujeito. Pena que a confusão não seja mais profunda

Há, porém, nesse percurso que frequentemente tangencia o onírico, uma ligação direta com a realidade. O caso investigado por Ferreira é o de um senador, dono de uma frota de ônibus. Num de seus veículos foram encontrados 100 quilos de pasta base de cocaína. Levando em consideração que o filme foi rodado em Minas Gerais, seria coincidência demais o enredo fortuitamente ter tantas semelhanças com o escândalo envolvendo a apreensão de quase 450 quilos da mesma substância ilícita num helicóptero da propriedade do então senador mineiro Zezé Perella em 2013. Isso alude à periclitante situação brasileira comentada na primeira linha deste texto. O homem disposto a colocar em risco a própria integridade física luta, como David na parábola bíblica, contra esse nefasto Golias contemporâneo que utiliza não apenas a influência política para escapar à justiça, mas também a violência, via jagunços pagos, como se estivéssemos num legítimo faroeste.

Foro Íntimo é um filme lento, cadenciado a fim de oferecer ao espectador a possibilidade de experienciar o desespero que atravessa o dia a dia do protagonista. Embora nem sempre consiga atingir um resultado efetivamente impactante na conjugação do belo desenho sonoro (a cargo de Alessandro Laroca, Daniel Virmond Lima e Gustavo Fioravante) e das imagens pulsantes (graças à fotografia em preto e branco de Dudu Miranda), Ricardo Mehedff não se restringe à abordagem frontal, explorando os desvãos da situação que adquire contornos de fábula kafkiana. Gustavo Weneck, por sua vez, constrói um personagem fragilizado, mas que precisa manter a compostura que seu cargo e a missão por ele assumida requerem. Óbvio que, diferentemente de pleiteadores expostos – tais como lideranças populares, por exemplo –, ele está tutelado por um aparato considerável que lhe garante certa estabilidade. Mas, mesmo pela singularidade de sua posição, a brutalidade ganha espessura, pois incidente até sobre os pretensamente invulneráveis que buscam a verdade.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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