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Sinopse

Jan Grarup é um fotógrafo de guerra. Ele se arrisca para fazer imagens do avanço das forças iraquianas contra o Estado Islâmico. Quando sua mulher morre repentinamente de câncer, esse intrépido sujeito precisa conciliar o perigoso trabalho e os cuidados com os quatro filhos que moram na Dinamarca. O homem então enfrenta uma batalha pessoal após testemunhar os horrores de guerras por um quarto de século.

Crítica

Em primeiro lugar, é importante frisar que este documentário tem como objetivo o fotógrafo, não a guerra. Jan Grarup, veterano dos cenários de conflitos nos Oriente Médio há décadas, é interpretado pelo filme enquanto profissional de uma situação de risco – como seriam, em igual medida, trabalhadores de minas ou em plataformas de petróleo, por exemplo. Para o diretor Boris B. Bertram, o real interesse pelo artista se encontra em seu dilema pessoal: Grarup está prestes a perder a ex-esposa, gravemente doente, e precisará cuidar dos três filhos, de quem não era muito próximo, enquanto administra sua carreira. Como levar os garotos à escola se precisa viajar para o Iraque? Como estar presente para o luto dos três enquanto se ausenta? Para o diretor, esta é a verdadeira “guerra” do filme.

Por isso, o projeto começa a termina com imagens de casa, que ocupam mais tempo de tela do que as imersões em zonas de conflitos iraquianas. Grarup, homem pragmático, não possui interesse em destrinchar seus sentimentos íntimos para a câmera, mas tampouco se importa em ser filmado de perto. Talvez por isso, a direção nutre uma curiosa fascinação pelo corpo do fotógrafo, visto com frequência de cueca, fazendo a barba, se despindo para o médico, deitado seminu na cama ou totalmente nu para um retrato conceitual. O diretor busca nesta forma de aproximação um olhar cúmplice, ainda que com medo de tocar em feridas – a perda de movimentos faciais jamais é explicada, nem os possíveis sintomas de stress pós-traumático. Bertram não tem pudores em filmar a nudez de seu biografado, mas considera as feridas de guerra de um fotógrafo de guerra algo íntimo demais.

Devido a esta abordagem, as cenas no Iraque soem menos interessantes do que poderiam ser. É louvável que a direção não invista no conflito armado como fetiche de um momento cheio de tensão para o espectador, preferindo as cenas de espera para ver se podem cruzar uma rua, ou se o tiroteio no bairro vizinho já terminou. No entanto, o documentário não demonstra qualquer interesse em compreender essa guerra: não se sabe quem está lutando contra quem, por qual razão, e que conflitos humanos ou socioeconômicos estão envolvidos naquela região. Para o filme, estas são apenas pessoas se matando, e caberia ao fotógrafo registrá-las da melhor maneira possível, com belas luzes em preto e branco ultra contrastado. Grarup capta muito bem a dor das vítimas e familiares, mas Bertram não deseja saber quem são estes indivíduos reduzidos a condição de modelos fotográficos. Neste ponto, beira-se um perigoso fetiche da alteridade.

Havia, no entanto, brecha para uma investigação fascinante, sob diversos aspectos. O fotógrafo veste um casaco escrito “Defend Paris”, ilustrado com uma gigantesca metralhadora. O que este homem pensa sobre o belicismo que testemunha com frequência? De que maneira o confronto regular com a morte afeta o instante em que a ex-esposa sucumbe ao câncer? Se Grarup viaja para zonas de conflito, arriscando-se em nome de uma verdade jornalística e uma manifestação artística, as imagens cinematográficas não constituiriam, igualmente, uma extensão da fotografia de guerra? De que modo as imagens realistas de Bertram se comunicam com aquelas, estetizantes, do fotógrafo dinamarquês? Acima de tudo, como falar em “beleza” diante da foto de cadáveres ensanguentados – ou seja, qual seria o limite ético diante da dor dos outros?

Nenhuma dessas questões interessa ao filme. Fotógrafo de Guerra privilegia o retrato pessoal, flagrando instantes em que Grarup ensina técnicas de fotografia à filha e leva o filho pequeno a um jogo de futebol. Embora não idealize o biografado, tampouco investiga a complexa pressão psicológica de um trabalho como este. “Outros fotógrafos não são tão corajosos quanto você”, afirma um motorista e tradutor iraquiano ao dinamarquês. Ora, seria bom poder atestar esta impressão com nossos próprios olhos, descobrir o que atrai um homem a uma função tão perigosa, de que maneira pensa a estética, e principalmente, qual é sua visão de mundo após o espetáculo sangrento no Iraque. Na ausência destes questionamentos, descobrimos o cândido retrato de um homem de classe-média, atravessando um momento decisivo de sua vida enquanto pai e ex-marido.

Filme visto na 43ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2019.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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