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Crítica


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Onde Assistir

Sinopse

Frank, um experiente assaltante, aceita participar do roubo de um produto misterioso no cofre do banco local. Os planos correm bem, até ele e o irmão serem atingidos por um adversário secreto, que aparentemente conhecia a intenção do grupo. Ao acordar após o ataque, Frank descobre que o irmão está morto. Ele precisa descobrir o que aconteceu enquanto estava inconsciente, e se vingar do inimigo.

Crítica

Há uma característica infantil na maneira como são dispostos os personagens de Fração de Segundos (2019). Imagine duas crianças brincando de faz de conta. Uma delas escolhe ser o policial, a outra recebe o papel de bandido, e então partem para a sessão de tiros invisíveis e ordens corajosas: “Pare onde está!”, “Nem mais um passo!”. O vilão cai no chão, o mocinho salva o dia. Este filme norte-americano parte de uma atribuição semelhante. Nenhum personagem possui um passado, uma personalidade definida, uma família, uma casa para morar, nem objetivos para o futuro ou planos para o dia seguinte. Existem os vilões, os comparsas, e os mocinhos. A primeira cena descreve um roubo a ser executado. No instante seguinte, invade-se o banco, retiram-se as joias do cofre, corre-se para todos os lados. Frank (Michael Chiklis) é atacado pelas costas e cai no chão. A sinopse sugere que a amnésia forçaria o personagem a reconstruir as etapas que levaram ao fracasso do plano criminoso, enquanto o título original faz menção a “dez minutos apagados” da mente do protagonista. Ora, a perda de memória nunca desempenha um papel nesta trama: o personagem esteve apenas inconsciente, incapaz de descobrir quem lhe atacou por trás. Como em qualquer filme de ação tradicional, ele parte em busca de vingança.

Algumas produções baseadas em tiros e perseguições incomodam pela falta de originalidade, por não se arriscarem em termos de linguagem ou narrativa. Aqui, no entanto, o problema é muito anterior às ambições criativas: o diretor Brian A. Miller tem dificuldades em executar a linguagem mais básica do cinema de modo minimamente eficaz. Nos últimos dez anos, o jovem diretor se especializou em histórias de ação bastante genéricas, muitas delas estreladas por Bruce Willis. Aqui, ele dá sinais de embarcar numa produção elaborada às pressas, sem cuidado na construção das imagens ou no desenvolvimento dos conflitos. O elenco não atua, e sim posa para a câmera, fazendo “cara de mau”, “pose de durão” e outras figuras do imaginário maniqueísta. Os diálogos constituem pérolas do imaginário de virilidade: “Eu acredito na honra entre ladrões!”, “Colabore comigo e você viverá mais um dia”, “Todo mundo é um aliado. Até não ser mais”. Os personagens conversam sobre um plano infalível que jamais é apresentado ao público. Não compreendemos exatamente o que roubam, por qual motivo, e quem poderia sabotar os planos. Faltam elementos básicos para a trama se sustentar: a verossimilhança, a exploração do tempo e do espaço, a motivação dos personagens.

Por “ação”, Miller compreende uma câmera balançando por todos os lados. Mesmo quando Frank está parado, em um momento de controle, a câmera chacoalha como se corresse sozinha. Cada flashback se inicia com a imagem de um relógio, e então as cenas do passado literalmente se repetem, com filtros amarelos, verdes, vermelhos e azuis. As bordas estão desfocadas, enquanto a trilha sonora genérica soa extraída de qualquer banco gratuito de sons na Internet. A personagem durona veste óculos escuros e se afasta de um prédio em câmera lenta, enquanto uma explosão ocorre no plano de fundo. O mocinho protege uma garota durante o tiroteio colocando a cabeça dela entre as pernas dele. Quando ambos se levantam, a montagem dilata o tempo para sugerir um quase-beijo após a quase-felação. A abertura investe pesado na metáfora das cartas de baralho, elemento esquecido pela narrativa. Em determinado momento, o vilão simplesmente revela sua identidade, descreve as motivações e explica como conseguiu escapar até então, talvez porque o roteiro não tivesse outras ideias para desvendar o mistério. Fração de Segundos é composto por uma sucessão de cenas constrangedoras em termos de direção e montagem. Estamos muito próximos da paródia do cinema de ação, com o diferencial de Miller levar o filme muitíssimo a sério, e de contar com dois astros renomados: Michael Chiklis e Bruce Willis.

Willis desempenha o que se chamaria de uma “participação afetiva”: ele permanece dentro de um escritório, gritando com pessoas ao telefone. No entanto, não participa da ação propriamente dita. O astro, visivelmente cansado do cinema brutamontes que o consagrou, deve ter rodado todas as suas cenas em duas diárias, no máximo, sem qualquer forma de empenho. Não existe um esforço na voz, no corpo, no jogo cênico com os demais atores. A composição de Willis transparece tamanho desdém que talvez reflita a maneira como os produtores enxergam o projeto. Chiklis, no entanto, se esforça, porém o personagem raso como um pires não facilita a tarefa. Ele está cercado por uma galeria amadora de coadjuvantes, cuja aparência chama mais atenção do que os dotes dramáticos: Meadow Williams, Texas Battle, Lydia Hull e Swen Temmel protagonizam momentos dignos de desconforto para o espectador. Eles se perdem na sucessão de cenas sem sentido (a descoberta de Ivory sobre a passagem de trem, a voz metálica exigindo resgate pela maleta, a reação abrupta de Rex diante do capanga “intermediário”), perseguindo uns aos outros por lugares com aparência de estúdio, fugindo de centenas de tiros que quase nunca atingem alguém – assim como brincadeiras das crianças. Mesmo a tentativa de reviravolta no final pode ser antecipada a quilômetros por qualquer espectador minimamente acostumado aos códigos da ação.

Obras como esta deixam uma curiosa sensação de estranheza quando se encerram, como se nunca tivessem começado de fato. Alguns personagens morrem, outros são salvos no último minuto. No entanto, visto que a narrativa jamais nos convida a torcer por eles, que diferença faria descobrir quem sai ileso, e quem será punido? Se não conhecemos o objeto roubado, o destino do mesmo, as ambições dos grupos opostos, os perigos exatos de um plano supostamente arriscado, como temer pela execução de cada etapa? O espectador termina a trama sem ter entrado nela, nem pela narrativa, nem pela estética. Fração de Segundos busca se sustentar através de marcas e símbolos que carregariam valor em si mesmos: a presença de Bruce Willis, associado a um cinema eletrizante de décadas atrás, a presença de Michael Chiklis, astro de The Shield (2002-2008), a imagem de cofres, diamantes, armas, carros, mulheres bonitas, homens perigosos. Estes elementos estão presentes, porém destituídos de significado, incapazes de produzir sentido para além da retórica de sua participação. Este é um “filme de ação do Bruce Willis”, o que constitui a única atribuição valorativa (e também genérica) que se poderia associar ao projeto.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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