Sinopse
Após descobrir que tem apenas alguns meses de vida, Frankie, famosa atriz francesa, resolve reunir a família para as últimas férias juntos, em Sintra, Portugal.
Crítica
Frankie está pronta para dizer adeus. Logo em uma das primeiras cenas do longa escrito e dirigido por Ira Sachs, a protagonista vai até a piscina para nadar nua. Pode se imaginar que se trata de uma mulher excêntrica, uma milionária em algum paraíso recluso, ou mesmo uma exibicionista em busca de atenção. Frankie é tudo isso, e também longe de qualquer uma dessas definições. É, acima de todas as ideias, alguém prestes a partir. E para onde ela vai, ninguém poderá acompanhá-la. Portanto, é compreensível o sentimento de revolta do marido, a inadequação dos filhos, a desajeitada presença dos amigos. Estão todos ali, com ela. Mas é como se estivesse sozinha. Pois, em Frankie, a protagonista, apesar de dominar as conversas e estar presente na maioria das cenas, já não está ali. Se foi, sem chances de retorno. Mais do que qualquer outra, essa é uma verdade da qual ela não pode fugir.
A família está reunida pela última vez. O local escolhido para esse refúgio é a pequena e carismática cidade de Sintra, em Portugal. O país, como se sabe, inventou não apenas o conceito e a palavra ‘saudade’, mas também é responsável por fazer da ‘melancolia’ um sentimento de envergadura nacional. A escolha não parece ter sido feita ao acaso. Sachs é conhecido por trabalhar com o brasileiro Mauricio Zacharias, que mais uma vez assume o papel de co-roteirista. O toque da língua portuguesa acaba fazendo a diferença, e não apenas pela presença do ator Carloto Cotta (Diamantino, 2018). Essa sensação está impregnada por todo o filme. Após os dois terem realizado três longas que são verdadeiras cartas de amor – umas mais raivosas, outras mais sensíveis – a uma mesma cidade (no caso, Nova Iorque), é interessante acompanhá-los por essa jornada de descobertas no outro lado do mundo. Tanto pelo que encontram, mas, principalmente, por tudo aquilo que se despedem.
O elenco multinacional é outro deleite. Frankie é uma estrela de Hollywood de fama internacional, e em cena é vivida por ninguém menos do que a grande Isabelle Huppert, que entrega uma atuação tão delicada quanto poderosa – é na sua fragilidade em que esconde uma determinação insuspeita. Ao seu lado está o afável gigante Brendan Gleeson, como o marido resignado com o que o destino lhe preparou, sem gritos ou explosões, o que não o impede de protestar, porém sob outros aspectos. O francês Jérémie Renier e a inglesa Vinette Robinson (Star Wars: A Ascensão Skywalker, 2004) são os filhos envoltos por laços de paixão, desejo, carência e competitividade. Há ainda o ex-marido, papel do ótimo Pascal Greggory (O Professor Substituto, 2018), que se descobriu gay e se mantém constante nesse núcleo familiar, e o casal de estrangeiros interpretados por Marisa Tomei e Greg Kinnear – cada uma tem uma agenda particular, que de uma forma ou de outra, acabará cruzando com a de Frankie. Nenhum deles sabe, exatamente, como agir diante do anúncio já confirmado. Mas são peças de uma colcha de retalhos pronta para ser estendida.
Frankie tem seu tempo ao lado do companheiro de anos, assim como caminha pelo bosque ao lado do filho e conversa animadamente com a antiga colega de trabalho. O que quer é ajeitar as coisas antes de partir. Seu modo de promover tais correções, no entanto, pode indicar um desprendimento para o qual os demais não estão preparados. E não é apenas ela que precisa ir atrás de acertos de contas. Há os dois irmãos adotivos que buscam esclarecer mal-entendidos do passado, os casados há anos que tentam entender como seguir juntos – ou lidar com a eminente separação – e os namorados diante de um vai ou racha, de uma investida que pode apontar para resultados inesperados. A situação da protagonista é o que os aproxima, mas, uma vez juntos, cada um tem seus próprios demônios com os quais lidar. A ela, cabe apenas observar, promover as aproximações necessárias, e sair de cena no momento em que as luzes se apagam e as cortinas se fecham.
Ira Sachs e Mauricio Zacharias não perdem tempo com discursos doutrinadores e nem com embates expositivos. Está tudo em cena, nos personagens reunidos e nos diálogos repletos de camadas que empenham. Frankie fala daquela no centro destes acontecimentos, mas mais do que uma peça central de um quebra-cabeças, ela se esforça em ser passível de ser esquecida. O que precisava alcançar, já foi feito. E o que lhe resta, portanto, é exatamente aquilo ao seu redor: as lembranças dos que ficarão para trás e o impacto que gerou nessas vidas – e nas de tantos outros (como a cena do aniversário tão bem exemplifica) – mas não de uma forma abnegada ou mesmo consciente, mas quase libertária, como exemplo e força. Frankie é adição que completa o conjunto, mas o mesmo seguirá existindo sem sua presença. Ela sabe disso. E está em paz com essa ciência. Justamente por isso, o retrato se torna ainda mais doloroso, pois é pacífico, contra o qual não há como lutar. Frankie, por fim, é a partida, mas essa só existe por causa do instante anterior, no qual a união se manifestou. O encontro que termina por fazer a diferença.
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