Crítica
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Sinopse
Frans Krajcberg se prepara para expor suas obras e receber a grande homenagem da 32ª Bienal de Arte de São Paulo, enquanto desvela suas memórias e reflexões. Sua vida foi uma luta implacável contra a loucura destrutiva do Homem, do fogo da Segunda Guerra Mundial às queimadas na Região Amazônica. O destino de um ser extraordinário inserido na história do seu tempo, comprometido com sua arte e profundamente vivo para sempre.
Crítica
Quem primeiro descobriu o trabalho do artista plástico e ativista ecológico Frans Krajcberg – ao menos cinematograficamente falando, sejamos mais claros – foi Walter Salles. Antes da consagração de Central do Brasil (1998), Waltinho fez dois curtas sobre o pintor e escultor: Krajcberg: O Poeta dos Vestígios (1987) e Socorro Nobre (1996). A dimensão que esses trabalhos obtiveram com o tempo aumentaram, proporcionalmente, o interesse sobre a obra do polonês que fugiu do seu país natal durante a Segunda Guerra Mundial, refugiou-se na União Soviética e estudou na Alemanha, tendo chegado ao Brasil, onde acabou fixando residência e se naturalizando, em 1948. Estes detalhes, no entanto, sobre sua trajetória e história, são facilmente encontráveis pela internet, e não estão no centro da narrativa de Frans Krajcberg: Manifesto. Valendo-se de uma autodeclarada intimidade com o seu objeto de estudo, Regina Jehá deixa de lado esses pormenores e se ocupa com uma única voz: a do próprio Krajcberg. E é por isso, mais do que qualquer outro elemento, que seu filme merece uma atenção redobrada.
Logo no começo da narrativa, Jehá explica em poucas palavras o primeiro encontro que teve com Krajcberg, anos antes, e os argumentos a que precisou recorrer para convencê-lo sobre a realização desse documentário. “Pra quê, não precisa”, disse o mestre, no alto dos seus 95 anos de idade. A diretora vez ouvidos de mercador, e ao lado dele se posicionou. Com a câmera ligada, o acompanhou por andanças em sua residência, no coração da Floresta Amazônica, afastando-se apenas quando ele decide ir até São Paulo para acompanhar a instalação de algumas das suas obras em mostra na Bienal. Quem esperava encontrar um senhorzinho simpático, já cansado da vida e dando seu trabalho por encerrado, muito irá se surpreender. Sentindo o peso dos anos – a realizadora chega a incluir uma rápida cena dele em desequilíbrio, indicando a sua mortalidade (Krajcberg morreria dois anos após as filmagens, em 2017) – ele seguia demonstrando vigor e energia para lutar tanto pelo que acreditava, como por uma maior consciência a respeito do planeta em que vivemos.
Pois é aqui que o manifesto de Frans Krajcberg se faz mais presente: mais do que um filme sobre a produção artística, este é um tratado sobre as lutas, as derrotas e as conquistas de quem nunca se deixou abater. “Nasci na Polônia, mas não me considero polonês. A Polônia tirou tudo de mim, matou toda a minha família, mas eu sigo aqui”, declara, sem nostalgia, nem arrependimentos. Tendo morado também na Espanha e na França, Krajcberg escolheu o Brasil para chamar de lar. Mas não uma cidade qualquer. Queria estar perto da vida que pulsava, da natureza que considerava única. Isso lhe rendeu tantos admiradores, quanto inimigos. Muitos os consideravam um estrangeiro, um intrometido que se ocupava de assuntos além das suas obrigações. Denunciando queimadas, lutando contra o desmatamento, pela preservação da fauna e da flora, alertando sobre o desperdício da urbanização desenfreada, usava sua arte para fazer valer essa visão de mundo.
Ao mesmo tempo, não se desligava de suas criações. É particularmente marcante a fúria com que lida com o descaso do Espaço Frans Krajcberg, em Curitiba – ao fazer uma visita surpresa, encontrou o local fechado (e aparentemente abandonado), levando-o a entrar na justiça para reaver a guarda das suas obras – ou mesmo a contrariedade com que lida com um ruído de comunicação durante a montagem da exposição em São Paulo. O corpo poderia revelar o passar dos anos, mas a mente dava contínuos sinais de estar mais atenta do que nunca. Um homem que sempre acreditou no poder do gesto, seja simbólico, como uma pincelada, ou factível, como o levantar de bandeiras. Vida e arte se entrelaçam e confundem, numa fusão que lhe garantiu não apenas longevidade, mas também, ao menos através desse registro, uma espécie muito particular de permanência.
Produtora de filmes de ficção como Califórnia (2015) e Canção da Volta (2016) – um dirigido e o outro estrelado pela filha Marina Person – Regina Jehá se une agora a sua outra filha, Domingas Person, nesse retorno ao documentário, após suas primeiras inserções no gênero, ainda nos anos 1970. Frans Krajcberg: Manifesto é um olhar respeitoso e repleto de afeto sobre um artista que nunca se deixou abater, seja pela indiferença dos governos ou pela ignorância da humanidade. “Onde quer que se vá, o homem sempre estará por lá”, reflete, como se referindo a uma praga da qual não conseguimos nos ver livres. Mas é o mesmo ser humano que produz criações testemunhas do seu tempo, como aquelas surgidas pelas mãos de Krajcberg. Além disso, é também uma oportunidade que talvez ficasse perdida, não fosse o empenho da cineasta, de colocar o próprio artista em primeiro plano. É ele, e por ele, que este filme que não pode ser deixado de lado. Incômodo, preciso e urgente: tal qual foi em vida, agora para todo o sempre.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Robledo Milani | 7 |
Bruno Carmelo | 6 |
MÉDIA | 6.5 |
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