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Sinopse

Depois de ser abordada por um sujeito misterioso, uma pacata cozinheira descobre que tem superpoderes. Diante dessa revelação, ela precisa enfrentar uma conspiração que pretende domina-la.

Crítica

Muitas gêneses de super-heróis são marcadas por alguém ordinário descobrindo que tem habilidades extraordinárias. Assim, de cara, há um deslocamento importante. O nerd aparentemente invisível, depois de picado por uma aranha radioativa, se transforma no espetacular Homem-Aranha. Assim como Peter Parker, em Freaks: Um de Nós, Wendy (Cornelia Gröschel) tem um cotidiano comum. Cozinheira numa rede de fast food, ela batalha por uma promoção para ter como pagar as contas que pressionam sua família. Não fica clara qual é a postura concreta do marido diante, por exemplo, da possibilidade reiterada de despejo. Essa displicência na construção do ambiente doméstico é identificada em outras partes da narrativa, diluindo questões surgidas no andamento de uma trama que envolve conspirações, "necessidade" de apartar os super do restante da população e uma série de desdobramentos mais ou menos previsíveis. Pode-se dizer que se trata de um filme inconsequente, sobretudo por conta da pouca responsabilidade com os resultados das ações.

Filiada abertamente à lógica da jornada do herói, Wendy em princípio custa a acreditar que pode ser mais que uma mãe/esposa tentando consertar as coisas. Ela terá nesse caminho de transformação uma espécie de mentor, o encarregado de abrir-lhe os olhos e explicar como funciona a arquitetura científica de supressão dos dons alheios. Até aí tudo bem, não é diferente das inúmeras histórias de origem envolvendo qualquer sujeito que recebe o chamado especial a uma aventura de proporções até ali inimagináveis. Porém, o diretor organiza mal certas convenções, tais como a cientista que ministra os remédios para que esses poderes não venham à tona. Ela é uma pessoa realmente preocupada com a integridade dessa gente com enorme potencial de ser perseguida? Suas intenções são meras dissimulações, vide a dinâmica de dopar os rebeldes e confina-los como se num manicômio? Difícil saber exatamente, pois essa figura aparece apenas como o rosto da ameaça à liberdade da protagonista, pouco contribuindo, pois sem subjetividade, para os assuntos a serem encarados.

Dentro dessa inconsequência mencionada, Freaks: Um de Nós passa batido pela manutenção da casa de Wendy em virtude do assalto ao caixa eletrônico. O gesto funciona, no entanto, como primeiro indício de que a máxima do Tio Ben (outra vez recorrendo ao Homem-Aranha) “grandes poderes trazem grandes responsabilidades” deveria ser encarada por perspectivas ao menos conscientes. Uma vez que garantir a casa significa manter em pé a estrutura familiar, a ação poderia se desdobrar num bem-vindo embate entre a moralidade e a necessidade pessoal. Outra dinâmica desperdiçada é a vista na lenga-lenga sobre a carência paterna de Elmar (Tim Oliver Schultz), colega de Wendy que convenientemente é revelado como um dos portadores de capacidades especiais. Os vários diálogos com o pai e a demonstração de descontentamento diante da madrasta servem somente para apontar (e sublinhar) à personalidade potencialmente corruptível. Logo é fácil perceber quem enveredará ao mal. Numa história de super-heróis, alguém tem de ser o vilão.

Até pela forma como termina, Freaks: Um de Nós parece almejar o início de uma saga. Para isso, seria imprescindível que a construção do universo não fosse tão genérica. Pessoas superpoderosas reprimidas por um sistema receoso do caos social que uma descoberta desse porte ocasionaria. É isso, mesmo? Qual a natureza e a abrangência da estrutura de contenção? Com que reais intenções supressores são receitados para crianças que deixam à mostra faculdades excepcionais? O filme deixa muitas pontas soltas, no que diz respeito tanto à sua mitologia quanto ao desenvolvimento dos personagens e das circunstâncias. A força sobre-humana faz a mãe vencer a resistência da chefe pelo medo, mesmo sentimento que a permite afastar o filho do bullying dos colegas – que, sem cerimônias, aparecem na casa do menino como se nada acontecesse. Faltam pesos e medidas nesse longa-metragem alemão que dribla com eficiência as restrições orçamentárias, mas que peca ao não se ater tanto às nuances, evitando calibrá-las, oferecendo um painel trivial ao partir de uma boa premissa.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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