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Sinopse

Preso numa entediante rotina como caixa bancário, Guy tem sua vida estremecida ao descobrir que é na verdade personagem de um jogo realista de videogame. Enquanto digere a realidade, ele vai precisar lidar com o fato de que é o único capaz de salvar esse mundo aberto.

Crítica

Adaptações para o cinema de videogames não são nenhuma novidade. As tentativas do gênero nas últimas duas ou três décadas foram diversas, e em sua grande maioria tropeçavam no mesmo problema: jogar – e criar suas próprias narrativas – invariavelmente acabava se mostrando mais divertido do que apenas assistir a uma trama genérica qualquer. Enfim, faltava interatividade. E mesmo que essa decisão ainda não esteja nas mãos do espectador, grande parte dessa questão se resolve de maneira exemplar em Free Guy: Assumindo o Controle. Pra começo de conversa, ao invés de apenas transpor um cenário já conhecido para a tela grande, a proposta aqui é 100% original. E se o universo dos games, com suas referências e idiossincrasias, permanece familiar, a audiência é levada para dentro da história não através de uma mera questão de apertar ou não de botões, mas por um processo mais complexo – e eficiente: pela identificação. O que deixa evidente o sucesso da empreitada.

Guy é um cara absolutamente comum. Por mais que Ryan Reynolds esteja longe de ser apontado como um tipo assim – afinal, trata-se de um dos maiores astros de Hollywood, dono de um físico perfeito, casado com uma mulher deslumbrante (Blake Lively) e dono de sucessos como Deadpool (2016) e Esquadrão 6 (2019) –é tão carismático que convence sem muito esforço como o personagem. Solteiro, acorda todos os dias no mesmo horário, segue uma rotina minuciosamente planejada e vai trabalhar no banco de sempre, que diariamente, no exato horário, é assaltado. Como isso pode acontecer? Por um fato simples: Guy nada mais é do que um NPC, ou seja, non-player character (personagem não jogável) de um game de sucesso. É um coadjuvante, alguém que fica ao fundo, executando tarefas aleatórias enquanto os jogadores, aqueles que, de fato, comandam a ação, fazem as maiores loucuras: assaltos, salvamentos, explosões, lutas etc. E esses são diferenciados por um elemento simples: usam óculos escuros.

Falta a ele, no entanto, algo importante: alguém para amar. Isso parece mudar quando cruza pelo caminho de Molotovgirl (Jodie Comer, demonstrando impressionante versatilidade). Essa é uma jogadora, e se em Free City (o nome do jogo) é habilidosa e cheia de estilo, na vida real não passa de uma nerd que passa seus dias na frente de um computador. Porém, dona de um importante detalhe: é uma das responsáveis pela criação deste jogo. Algo que fez há alguns anos ao lado de seu melhor amigo, Keys (Joe Keery, de Stranger Things, 2016-2022). Quando a ideia deles se revelou a aposta do momento, uma proposta de compra logo lhes foi feita. A discordância em relação ao destino da invenção conjunta terminou por separá-los. Ele agora trabalha como funcionário do homem que adquiriu o que era deles – e tratou de arquivar, por medo da concorrência – enquanto a amiga se ocupa em estudar o novo jogo da mesma empresa, por acreditar que este teria sido feito a partir da base que haviam construído, um segredo que, se revelado, pode significar o fim da companhia.

Há dois níveis de leitura em Free Guy: Assumindo o Controle. O primeiro – e mais brilhante, dinâmico e envolvente – é aquele que se passa dentro da brincadeira, não só por ser o único no qual se é possível encontrar Guy – uma figura adorável e cativante – mas, também, por ser composta da magia pela qual esse tipo de cinema parece ter sido feito: fantástico, impressionante, grandioso. É nele que os protagonistas conseguem realizar feitos inesperados, demonstrar habilidades especiais e circular por ambientes de deixar qualquer um de queixo caído. Além, é claro, de estarem à frente de aventuras de tirar o fôlego. Por outro lado, no mundo concreto, se a elucidação do mistério não parece ser muito difícil, há de se considerar a participação esfuziante de Taika Waititi como um vilão inesperado e exaustivo (expandindo a figura vista em Jojo Rabbit, 2019) e o óbvio romance entre Millie (real nome da garota molotov) e Keys (eficiente como o bobo apaixonado à espera que a menina tome a iniciativa).

Entre boas piadas, tiradas visuais de forte impacto e participações especiais que justificam a compra da Fox pela Disney (de Star Wars ao Universo Cinematográfico Marvel, tudo pode se manifestar por aqui), Free Guy: Assumindo o Controle se mostra mais do que apenas um feel good movie pelo domínio que demonstra a respeito dos elementos que vai inserindo em cena, espalhando easter eggs (surpresas escondidas) por todos os lados – desde Jogador N° 1 (2018) não se viam tantos e tão diversos num mesmo lugar e ao mesmo tempo – capazes de fazer a alegria desde os mais aficionados até os meros curiosos. Sem falar que se trata de uma proposta nova, e não um remake / refilmagem / adaptação / releitura, como tem sido hábito no cinema norte-americano há um bom tempo. Por fim, é de se reconhecer o talento de Reynolds quando no domínio da situação, defendendo um tipo que tem tudo a ver não apenas com a figura pública com a qual ele acostumou seu público, mas também capaz de se reinventar como ingênuo e como ousado, como super-herói e como alguém ordinário, como galã e como o azarado que nunca fica com a garota do seus sonhos. E em todos esses modelos, angariando a torcida da audiência. Não é qualquer um que consiga fazer isso, e com um sorriso no rosto.

 

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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