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Sinopse

Acompanha o italiano Pio Gianotti, capuchinho que veio para o Brasil e dedicou toda a sua vida à religião, desde sua infância. Andarilho, ao longo de 66 anos direcionou seu esforço para salvar almas e, durante uma época, o seminarista serviu, de forma sofrida, a Primeira Guerra Mundial. Entrevistas e imagens de arquivo ilustram depoimentos de conhecidos e pessoas com quem conviveu, que atestam alguns de seus milagres e sermões conservadores.

Crítica

Diretora de Danado de Bom (2016), documentário que ganhou o Calunga de Melhor Filme no Cine PE – o festival de cinema de Recife – ao investigar as histórias e a música de João Silva, Deby Brennand volta seu olhar em sua segunda experiência como realizadora de longas-metragens a uma figura mais santificada, porém igualmente encarada como mito. Fala-se em Frei Damião: O Santo do Nordeste, portanto, como o título deixa claro, do capuchinho italiano que veio ainda jovem para o Brasil e se tornou uma referência religiosa em todo o país. A iniciativa, sobretudo num caso como esse, é para lá de louvável. Os resultados, no entanto, são um tanto irregulares e deverão agradar mais uns que outros, dependendo do credo – e do grau de credulidade – do espectador que se verá obrigado a comprar certas “verdades” sem muitos questionamentos, partindo de conceitos preestabelecidos.

O mais curioso desses elementos é justamente o que está no título e que se tornou quase que indissociável desta figura: sua condição de “santo”. Ainda que a diretora não se aprofunde no processo de beatificação atualmente levado adiante no Vaticano, todos os diversos depoentes chamados para falar a respeito desse homem que morreu há mais de vinte anos agem como se estivessem oferecendo relatos de uma divindade, e não de um ser humano como qualquer um de nós. As dúvidas, pelo jeito, inexistem, assim como os fatos que poderiam corroborar tais versões. É preciso um esforço interpretativo para se distanciar de entrevistas que servem quase única e exclusivamente para reforçar a ideia de que Damião foi santo em vida, e essa é a percepção que deverá ser eternizada agora que ele já se foi. Não há olhares contrários, nem se levantam suspeitas. Afinal, o foco é naquele que caminhava sem tocar o chão, que dormia não mais do que quatro horas por noite e que comovia milhares de pessoas apenas por se aproximar delas, pois é fato notório que mesmo sua oratória beirava o incompreensível.

Pois é aqui que se vai ao ponto mais conflitante de Frei Damião: O Santo do Nordeste: tem-se pouco do Frei Damião e muito do que os outros pensavam a respeito dele. Constatar essa característica não chega a ser uma surpresa, afinal, são pouquíssimas as imagens oficiais do padre. No entanto, se, por um lado, Brennand teve um incrível acerto (ou seria golpe de sorte?) ao descobrir o acesso a registros que poucos conheciam, por outro, os mesmos servem de ilustração, não tanto como instrumento de descoberta. Vemos cenas raras de Frei Damião em suas missões pelo interior do Brasil, visitando cidades e vilas, enfrentando o sertão e em contato com fiéis de todas as raças, idades e origens. Por outro lado, esse recurso, que num primeiro momento desperta gigantesca curiosidade, até por seu aspecto de raridade, funciona também para distanciar ainda mais o espectador do cinebiografado. Ao invés de desmitificá-lo, o que seria uma intenção absolutamente válida, aumenta-se ainda mais a aura ao seu redor, uma vez em que apenas é possível vê-lo, sem (quase) nunca escutá-lo. Afinal, o que ele tinha de tão especial para, de homem, ter virado “santo”?

Deby Brennand acumula experiências na área audiovisual para entregar um longa completamente eficaz na maior parte das suas questões técnicas. Se a trilha sonora de Piero Bianchi em mais de uma ocasião resvala no exagero, principalmente nas sequências em que o caráter melodramático é reforçado, há de se verificar que as impressionantemente belas imagens captadas pelas lentes de Breno César oferecem ao conjunto em viés estético refinado e de imenso apuro visual. O desenvolvimento da narrativa não se propõe a reinventar a roda. Assim, temos um documentário nos moldes mais tradicionais. Isso, no entanto, não chega a ser nenhum demérito. Há muito o que se debater, discutir e narrar. Os convidados são inúmeros e o roteiro se estrutura de forma bastante didática. A vida de Damião está lá, do início ao fim. Vai-se da Itália para o Brasil, e para as origens familiares dele também se retorna, assim como seguem presentes aqueles que tiveram proximidade com ele e seguem vivos para contar. Porém, é inevitável o tom laudatório de cada depoimento. Todos estão reunidos para santificá-lo.

Mas há mais, e esse, talvez, seja o ponto crítico da produção. Não contente em apenas expor em relatos e pesquisas a trajetória do homenageado, Brennand oferece ainda uma parcela ficcional em sua narrativa. Essa inserção não se dá sem ruídos. O todo é interrompido, de tempos em tempos, para uma dramatização não muito sutil de um dos supostos milagres do homem a quem estão convencidos a chamar de santo. Essa composição coloca em evidência o caráter imparcial do viés assumido. Frei Damião: O Santo do Nordeste não tem esse título por acaso. Enquanto obra, atende com eficácia os anseios dos envolvidos, sem sequer sonhar em abordar qualquer tipo de conflito a respeito. Porém, no que diz respeito ao seu caráter cinematográfico, parece ser isso justamente o que falta: o confronto, o embate, a multiplicidade de olhares que poderiam proporcionar não apenas a reflexão, mas também o surgimento de novas ideias. Bonito, com certeza. Mas não muito mais do que isso.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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