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Crítica


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Sinopse

Dois homens brancos sul-africanos são presos por terrorismo em razão de suas participações em operações secretas contra o Apartheid. Uma vez encarcerados, eles precisam escapar da prisão de segurança máxima de Pretória.

Crítica

Do trio de protagonistas-mirins da saga Harry Potter, é justamente Daniel Radcliffe, que interpretava o personagem-título, aquele que vem construindo a carreira mais interessante. Se Emma Watson se voltou aos grandes estúdios de Hollywood e Rupert Grint praticamente desapareceu, o garoto que começou dando vida ao pequeno bruxo com uma cicatriz na testa se tornou um artista curioso e consciente, sem medo de se arriscar em projetos que o tirem de sua zona de conforto. Fuga de Pretória é um bom exemplo disso. O resultado verificado em tela nem sempre é dos melhores, mas não por falta de esforço do ator, comprometido com a personificação de uma figura real, e por isso mesmo, responsável com a verossimilhança dos seus atos. É por essa trajetória, que anda em conjunto com o amadurecimento de um intérprete dedicado ao ofício da sua arte, que este filme encontra o seu (pouco) valor.

Baseado no livro homônimo escrito por Tim Jenkin, Fuga de Pretória mostra Radcliffe como o próprio Jenkin, um jovem que, em plenos anos 1970, decide não permanecer de braços cruzados, partindo para a ação organizada contra o Apartheid na África do Sul. Após espalhar panfletos contrários o governo através de bombas de ar, incapazes de machucar qualquer pessoa, ele e seu melhor amigo, Stephen Lee (Daniel Webber, de O Justiceiro, 2017), são pegos pela polícia e condenados à prisão. Mas não se trata de uma noite atrás das grades ou de um encarceramento de advertência: após enfrentarem um tribunal comandado por um juiz de óbvio posicionamento político, recebem penas de 12 e 8 anos, respectivamente. Não há apelo, protesto ou qualquer tipo de manifestação contrária: dali são enviados diretamente para o presídio, com a garantia de que suas vidas estarão estacionadas pela próxima década. Isso, é claro, não fosse a obstinação dos dois – ou de Jenkin, principalmente – em mudar esse destino.

É neste ponto onde começam os problemas do longa do diretor Francis Annan, em seu primeiro projeto de maior expressão, após anos trabalhando em documentários, videoclipes e televisão. Também roteirista, constrói uma história na qual cada etapa pode ser antecipada com precisão. Dois fatores são decisivos para que essa impressão se consolide: primeiro, Radcliffe é o único nome de destaque do elenco, e por isso sabe-se bem que deverá chegar ao fim da trama, e segundo, porque esta é uma história real, cujo final feliz é mais do que conhecido. Jenkin está determinado a encontrar um modo de escapar da prisão. Uma vez isso estabelecido, não deveria haver mistério a respeito se ele irá ou não conseguir fugir – é sabido que será bem sucedido nessa intenção. O que deveria acontecer, portanto, era uma maior atenção não no que faz, mas em como empreende cada um dos pequenos atos que o levam a esse desfecho. Uma atenção aos detalhes que nem sempre é bem explorada pela narrativa.

A própria dinâmica entre os dois Danieis – Radcliffe e Webber – nunca chega a ficar muito clara, por mais que ambos dividam o pôster de divulgação, por exemplo. O primeiro é o protagonista absoluto, enquanto que o outro não passa de um coadjuvante de luxo. Ian Hart (que viveu o Professor Quirrell em Harry Potter e a Pedra Filosofal, 2001) e, principalmente, Mark Leonard Winter (A Vingança Está na Moda, 2015), como outros presidiários políticos que terão diferentes posicionamentos em relação ao plano de Jenkin, acabam tendo participações mais importantes. Mesmo assim, tudo termina por soar fácil demais: enganar os guardas, descobrir como aquele sistema funciona internamente e até mesmo se livrar dos momentos de maior tensão. Nunca são pegos, não encontram inimigos, não há oposição: o caminho está, literalmente, livre, apenas à espera do próximo passo.

Porém, o mais trágico em Fuga de Pretória é o opaco discurso político e social que um filme tão potencialmente polêmico poderia abraçar. Para se ter uma ideia, trata-se de uma produção cujo tema principal é justamente a luta contra o racismo, mas não há em cena nenhum intérprete negro em posição de destaque. Ou seja, o cenário é somente um pano de fundo, e, na maioria das vezes, nem mesmo isso, pois o que se presencia, pela forma como é encenado, poderia ter ocorrido em qualquer outro lugar do mundo. Longe de se posicionar ao lado de clássicos do gênero como Papillon (1973) ou Fuga de Alcatraz (1979), tudo o que consegue é manter um desenrolar morno, sem grandes momentos ou mesmo terríveis frustrações, prosseguindo de forma tão segura quanto a impressão que gera a respeito das figuras reais que busca encenar. Se não fosse a entrega do elenco e o comprometimento com uma postura libertária, seria apenas mais um genérico igual a tantos outros, tão descartável quanto irrelevante.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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