Crítica


6

Leitores


15 votos 6.8

Onde Assistir

Sinopse

Erica está em crise: a cantora terminou o noivado com Jason, por quem era apaixonada, e não conseguiu emplacar o grande sucesso de sua carreira. Incentivada por uma amiga, viaja às Ilhas Maurício, onde trabalha como animadora num resort de luxo. Um dia, descobre que Jason está hospedado no local junto de sua nova noiva, e precisará cantar no casamento deles. Para piorar a situação, Caleb, o charmoso irmão do noivo, está de olho em Erica.

Crítica

Comédias românticas costumam ser atacadas pela quantidade exagerada de coincidências – personagens se reencontrando por acaso nas ruas; conhecendo o amor de suas vidas assim que chegam ao emprego novo ou prédio novo; livros que caem no chão e, quando a heroína se abaixa para recolhê-los, nota a ajuda simultânea de um rapaz encantador. No entanto, existe algo ainda mais artificial neste tipo de produções: a maneira como o mundo gira em torno do protagonista, existindo apenas para ele. Os coadjuvantes não possuem vida própria, limitando-se a ajudar os casais principais e lhes dar a réplica. Em Fugindo do Amor (2021), Erica (Christina Milian) está em crise. A melhor amiga dedica seu tempo inteiro a consolá-la e dar dicas profissionais. Quando a cantora se muda para as Ilhas Maurício, aceitando o cargo de animadora num resort, aparecem por acaso no país africano o ex-noivo Jason (Jay Pharoah), a nova noiva dele, Beverly (Christiani Pitts), e o irmão de Jason, Caleb (Sinqa Walls), que – adivinha? –, se apaixona imediatamente pela artista. A gerente do resort implica apenas com Erica, e o único colega de trabalho possui inúmeras tarefas a cumprir, porém sempre se encontra ao lado da nova funcionária. Nas ruas, as pessoas cantam a música que deveria acompanhar seu noivado fracassado. Os personagens, os cenários, as reviravoltas, existem para Erica – seja para ajudá-la, diverti-la, atrapalhá-la, comovê-la e promover sua transformação pessoal.

Além disso, o projeto nasce da vontade nada discreta de promover o turismo na região. O diretor Steven K. Tsuchida multiplica os planos aéreos de águas cristalinas, planícies infinitas, cenários românticos e atrações radicais. Nenhum aspecto da cultura social é minimamente aproveitado pelo cineasta, que privilegia a impressão de um lugar acolhedor, de clima generoso e pessoas gentis. Em outras palavras, este retrato se torna tão benevolente quanto genérico: o filme apresenta um país de cartão postal, facilmente confundido pela direção de arte e trilha sonora com o Havaí ou as ilhas da Polinésia. Os autores se concentram em conceber um espaço pequeno e familiar, repleto de pessoas belas e desimpedidas. Talvez os funcionários invisíveis do resort tivessem um ponto de vista diferente a respeito deste mundo de drinks, festas e praias desertas, porém o roteiro evita estragar a festa. Por isso, o cineasta multiplica as câmeras lentas, os banhos de sol, os jantares dançantes. As cores são extremamente saturadas, próximas de um sonho, enquanto os encontros românticos ocorrem sob a luz dourada do nascer do sol ou pôr do sol, acompanhados por baladas românticas. A estética foge do real, percebido como amargo e decepcionante, oferecendo à protagonista – e ao espectador, por extensão – uma visão do paraíso.

Embora os acontecimentos sejam previsíveis, Fugindo do Amor traz algumas vantagens em relação aos exemplares do gênero, que entopem as plataformas de streaming. O primeiro deles diz respeito à eliminação da competição entre mulheres pelo príncipe encantado. Beverly, noiva de Jason, ganha uma descrição elogiosa, sendo uma figura simpática, talentosa, inteligente e de aspirações políticas, ao invés de uma garota fútil que nos levaria a torcer por Erica. Segundo, e decorrente do anterior, a disputa entre os irmãos também desaparece: eles nunca brigam para descobrir quem ficará com a cantora: a decisão partirá dela, na hora desejada. Não há vilões no filme, nem figuras tentando deliberadamente sabotar os romances. Terceiro, e mais importante, se encontra no discurso. A maioria das comédias românticas aposta na ideia de que um coração partido se conserta com a chegada de um novo amor – caso em que a mulher precisa estar sempre apaixonada ou buscando se apaixonar. Aqui, o objetivo da viagem consiste em proporcionar uma forma de cura ao término do noivado. Este mundo acessório, criado sob medida para Erica, possui um viés terapêutico: ela precisará enfrentar seus traumas pessoais relacionados a casamentos e canções de Alicia Keys (produtora do filme). A questão de novos romances se torna secundária.

No que diz respeito ao aspecto cômico, o diretor recorre a recursos modestos em eficácia e ambição. Por um lado, evita os tradicionais bolos de casamento arruinados, parentes bêbados na festa e outros clichês das cerimônias catastróficas. O tom se encontra alguns graus abaixo do humor físico com convidados tropeçando e caindo. Por outro lado, evita explorar a comicidade de situações ou enquadramentos. Jay Pharoah, um especialista na comédia, possui um papel limitadíssimo, sendo mal aproveitado na narrativa, enquanto a desenvoltura de Christina Milian para o gênero se resume à gag dos lagartos e a algumas cenas discretas de humilhação em público. Isso pode parecer pouco, mas melhor assim: diversas comédias perdem sua coerência na insistência em fazer rir a qualquer custo, saturando os diálogos com piadas fáceis. Tsuchida mantém um aspecto agridoce nas relações, repletas de meios sorrisos e leves tristezas – este não é um filme de emoções fortes. A exemplo das canções pop na trilha sonora, famosas e um pouco velhas para 2021, o filme produz a sensação de conforto: o público médio deve conhecer essas letras e melodias, assim como encontrará os discursos inspiradores esperados do clímax. Se a vida real se traduz no terreno da imprevisibilidade angustiante, o paraíso africano implica no mundo onde as coisas se encontram em seus devidos lugares, e ao final, cada um receberá seu equivalente do final feliz – incluindo a sogra enfezada e a patroa insensível.

Atenção, possíveis spoilers a seguir!
Ao menos, Fugindo do Amor rompe com o aspecto conservador e reparador de tantas histórias semelhantes. Para a jovem cantora, o amor não se encontra na possibilidade de reatar com o ex-noivo, nem em retomar a parceria com o rapper que havia prometido o lançamento de um single. Erica dispensa o retorno a Nova York, o reencontro com sua família (curiosamente ausente da trama), a inserção em qualquer forma de agregação social – igreja, universidade, empresa. Discretamente, a heroína prega um romance sem casamento nem filhos, decidindo priorizar a carreira musical. Destaca-se na conclusão a recusa da ajuda oferecida pela melhor amiga. Pela primeira vez, a protagonista possui estrutura emocional para tomar as decisões sozinha, ao invés de esperar que o mundo venha ao seu encontro e lhe empurre adiante. Decidindo permanecer nas Ilhas Maurício, até o romance com Caleb soa comprometido, no entanto, esta mulher valoriza a si própria e seu momento de experimentação. Por trás de uma narrativa repleta de fórmulas e amores fáceis (à primeira vista, envolvendo pessoas bondosas, gentis, musculosas, de vozes maravilhosas), existe um aceno discreto à emancipação feminina e à possibilidade de satisfação sem matrimônio nem bebês a caminho. Este é um pequeno passo para o cinema, mas um grande passo para a comédia romântica voltada ao grande público.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
avatar

Últimos artigos deBruno Carmelo (Ver Tudo)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *