float(32) float(11) float(2.9)

Crítica


3

Leitores


11 votos 5.8

Onde Assistir

Sinopse

A Universidade de Oklahoma tem uma das mais fortes equipes de ginástica dos Estados Unidos. Após ficarem na vice-liderança nacional, as atletas precisam descobrir como superarem pequenos erros, e a perda de sua principal ginasta, para vencerem o próximo campeonato.

Crítica

Escrever sobre Full Out 2: You Got This! (2020) representa um desafio. Trata-se de um filme fraco, e talvez fosse fácil apenas enumerar as deficiências de som e imagem, de roteiro e atuações. No entanto, cabe prestar atenção ao tipo de obra que ele pretende ser. Por mais que se espere de um projeto que possua ambições artísticas, refletindo sobre os recursos da linguagem através de um arsenal técnico e narrativo, o diretor Jeff Deverett não visa um horizonte particularmente ousado. Em alguns casos, nos deparamos com um filme em busca de efeitos e discursos que não consegue viabilizar de maneira eficiente. Em outros casos, encontramos uma ficção que jamais pretende ultrapassar o estágio de telefilme escapista. O filme mira muito baixo, e atinge exatamente o nível a que se propõe. Há uma incoerência essencial na proposta de cinema desleixado sobre práticas de alta exigência técnica – a ginástica e as danças profissionais, no caso. No entanto, trata-se de um audiovisual fast food, cujo conteúdo simplista se resume na frase inspiradora “You Got This!” (“Você consegue!”), repetida pelo menos uma dúzia de vezes pelos personagens.

O elenco inclui ginastas e dançarinos reais, o que proporciona cenas verossímeis quanto ao trabalho corporal. Entre selecionar bons atores para simular gestos profissionais via montagem e treinos intensos (como fariam as grandes produções), ou então buscar atletas reais para prepará-los à atuação, os produtores optam pela segunda opção. A escolha traz suas consequências: apesar das acrobacias, saltos, espacates e movimentações realistas, o nível das atuações beira o amadorismo. A responsabilidade não recai exclusivamente sobre as atrizes, mas sobretudo à direção, privilegiando interações voluntaristas de pessoas sorridentes, encarando desafios que sempre dão certo. O diferencial deste projeto se encontraria no cruzamento entre dança e esporte, sugerindo que Chase (Sydney Cope) e Riley (Logan Edra) se beneficiariam do contato com a modalidade alheia. No final, torna-se pouco claro de que maneira a ginasta melhora sua performance a partir da corporeidade da street dance, e vice-versa. Estes caminhos correm em paralelo, jamais se cruzando de maneira satisfatória. Somos preparados a uma apresentação surpreendente de ginástica incorporando elementos dos B-Boys, porém as expectativas são frustradas.

O roteiro demonstra dificuldade em construir personagens tridimensionais: Riley, Chase, Natalie, Brenna e AJ não têm família, não estudam, não voltam para casa no fim do dia, nem enfrentam dilemas para além das competições. Cada uma tem direito a um conflito: a concretização do namoro com um garoto nerd, a superação do medo de competir, a abertura às modalidades distintas. A galeria de coadjuvantes se aproxima das sitcoms, incluindo os nerds herdeiros dos estereótipos de The Big Bang Theory (um garoto gordo, e outro indiano, claro), uma treinadora mecânica que jamais discute aspectos técnicos, além dos atletas reais Nadia Comaneci e Bart Conner, tristemente subaproveitados. Filmado em sua integralidade na Universidade de Oklahoma, o resultado se assemelha a uma produção universitária, lidando com o modesto orçamento ao se focar somente na competição, ficando do lado das vencedoras. Ora, o que dizer das atletas das equipes adversárias, que não conseguiram o título? Elas não acreditavam em si próprias o suficiente?

Além disso, o projeto sofre com a falta de criatividade da direção. Adepto à escola Hallmark de cinema funcional, Deverett intercala todas as cenas com stablishing shots do centro esportivo universitário. Mais de uma dúzia de imagens aéreas intercambiáveis, com drones deslizando sobre o slogan da Universidade, se repetem na hora de saltar à cena seguinte. O diretor falha ao trabalhar com os principais elementos da mise en scène: as dinâmicas de tempo e de espaço. Uma competição de dança de pouca relevância para a trama é apresentada etapa por etapa, das quartas-de-final à semifinal, e então à disputa decisiva. As personagens saem do centro de treinamento e abrem a porta seguinte, aparentemente destinada a outro centro de treinamento. O período da noite inexiste, assim como as noções de vizinhança e de sociedade. As atletas e os dançarinos vivem numa bolha de encorajamento, tão otimista quanto descolada do mundo no qual se inspira. O retrato da dança e da ginástica profissionais é desprovido de lesões, de problemas financeiros, de conflitos entre competidores. Inspirado na história real da equipe de Oklahoma em 2016, o cineasta prefere imaginar as competições como poderiam ser caso todos se amassem.

Full Out 2: You Got This! resulta numa experiência insossa, de estética pasteurizada. As cores possuem pouco contraste ou saturação, as conversas ocorrem em planos de conjunto padronizados, as apresentações investem numa óbvia câmera lenta. A trilha sonora repete à exaustão o tema pop-eletrônico, apesar da mixagem quase inexistente: quando a trilha entra em cena, o som direto desaparece; assim que um diálogo começa, suspende-se a música. As apresentações de dança, em interiores, são filmadas com um único foco de luz azulado, mais apropriado às casas noturnas do que às locações. Ao final, as cenas se equivalem, em trajetória linear, cronológica e previsível. A idealização passa como um rolo compressor pela psicologia: o filme comemora a lesão de uma personagem enquanto oportunidade valiosa à colega; inclui uma ginasta com Síndrome de Down sem encontrar uma função para a mesma na trama; menciona a aposta arriscada de Brenna sem seguir os percalços dessa nova etapa. As ações se sucedem de maneira automática e superficial: tudo bem, tudo dará certo, fique tranquilo. You got this. Talvez os criadores não percebam, mas o problema não se encontra no estímulo à autoconfiança, e sim na ideia de que “basta” acreditar em si, ignorando os motivos que geram a confiança ou ausência da mesma. No final, trata-se de uma questão de fé – o cinema de dança e de esporte se torna próximo do cinema religioso.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
avatar

Últimos artigos deBruno Carmelo (Ver Tudo)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *