Crítica


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Sinopse

Em G20, a presidente dos EUA, Danielle Sutton, leva sua família para uma reunião da cúpula do 20 países mais influentes, na África do Sul, onde apresentará um plano para estabilizar países em desenvolvimento. Porém, durante a recepção, terroristas capturam os líderes presentes. Agora, a ex-militar precisa usar toda sua experiência para salvar sua família e impedir um colapso econômico global. Thriller.

Crítica

O cinema norte-americano ajudou a mitificar a figura do presidente dos Estados Unidos ao longo dos anos. Não foram poucos os filmes (e as séries) que mostraram o chefe máximo do Executivo estadunidense pegando em armas e liderando uma luta feroz contra vilões inescrupulosos. De cara podemos pensar num dos mais heroicos deles, o interpretado por Bill Pullman em Independence Day (1996), peça fundamental para neutralizar a invasão alienígena durante o 4 de Julho, o Dia da Independência dos EUA – feriado que infla o patriotismo local. Pois bem, em G20 Viola Davis se junta a essa longa lista de chefes de estado ianques que se transformam em virtuosos combatentes para salvar o dia e colocar os malvados no seu devido lugar. Não contentes em apresentar a protagonista (uma ex-militar condecorada) como alguém capaz de arregaçar as mangas e fazer acontecer, os roteiristas Caitlin Parrish, Erica Weiss, Logan Miller e Noah Miller vão além nessa glorificação. Eles começam a trama mostrando que Danielle (Viola) deseja liderar esforços globais para pobres camponeses dos recantos mais longínquos do mundo terem acesso a criptomoedas com a finalidade de alavancar pequenos negócios familiares. Claro, ela enfrenta a resistência de outros chefes de Estado “menos nobres” e reticentes a respeito da iniciativa. Assim, Danielle tem várias oportunidades para se mostrar apta a ser…líder do mundo.

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Há quem prefira fechar os olhos para os discursos embutidos em cada decisão criativa dos filmes e defender a ideia de que algumas tramas podem ser completamente desprovidas de viés ideológico. Aos utopistas do “entretenimento puro”, do filme sem posição, é preciso dizer que toda imagem, cada linha do texto, as inflexões e nuances das interpretações, tudo isso está a serviço de visões específicas de mundo. G20 pode até parecer uma subversão do modelo do presidente herói dos EUA, uma vez que faz um bem-vindo aceno à diversidade ao colocar uma mulher negra na cadeira mais importante do mundo. No entanto, é preciso analisar até que ponto esse aceno progressista é importante e o quanto ele se sustenta como um pilar da trama, sobretudo, à medida que a ação toma o lugar da diplomacia. Utilizando esse elemento como escudo, a cineasta Patricia Riggen não faz muito mais do que ratificar a velha cartilha ufanista a patriota que rendeu filmes semelhantes, nos quais a ação supostamente “descompromissada” funciona como cortina de fumaça para camuflar justamente o discurso de orgulho nacional incutido no espectador de modo subliminar. Mais relevante que os problemas de Danielle com a filha rebelde ou mesmo a pontinha de dilema moral da presidente que, no fundo, se sente um pouco fraude, é mostrar que se o convencimento não vem pelo diálogo, acaba vindo pela força.

Aos leitores ainda incrédulos de que G20 é uma armadilha caríssima, com uma ação para lá de genérica utilizada para vender uma ideia, vamos aos indícios mais fortes. Danielle começa o filme preocupada com o mundo, dedicada a diminuir a desigualdade entre as nações – numa espécie de versão de conto de fadas de uma presidente norte-americana, mas até aí tudo bem, pois na ficção cabem até as fantasias absurdas, tais como a mandatária estadunidense não imperialista. Ela enfrenta uma resistência enorme dos demais chefes do grupo dos 20 países mais influentes do planeta, tendo de ouvir gracinhas do primeiro ministro britânico e sabendo que não será fácil convencer a nova presidente do Fundo Monetário Internacional (FMI). Danielle é retratada como a guerreira nobre numa cruzada quase solitária contra as inúmeras restrições de líderes obsoletos despreocupados com a erradicação dos problemas globais. É somente depois que ela se mostra uma guerreira militarmente capaz de salvar a pele de todo mundo, quando ela pega em armas e frustra os planos do vilão interpretado por Antony Starr, que convence os demais mandatários de suas credenciais para encabeçar o mundo. Como ela não consegue se legitimar retoricamente, recorre à força quando necessário e se faz entender. O roteiro poderia dar ênfase maior interessante nas dificuldades dela? Claro, mas não o faz, senão na sala de espera da ação.

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Vamos ao vilão que acaba validando o heroísmo de Danielle. Aliás, ele não é um personagem de carne e osso, com sentimentos e propósitos sólidos, apenas um obstáculo que espelha inversamente os valores da protagonista. Antony Starr foi contratado para reprisar a cara e os trejeitos de maníaco que o deixaram famoso na série The Boys (2019-). Se a ideia era realmente essa, o ator cumpre a demanda com louvor. Vários de deus discursos parecem mais coerentes com a realidade do que os arroubos heroicos de Danielle, pois dão conta da atitude desumana dos governos ao criar guerras por interesses econômicos. No entanto, o roteiro não permite que haja dúvidas sobre quem devemos apoiar veementemente. Para isso faz do conspirador um homem ganancioso acima de qualquer coisa, ou seja, nem prestamos atenção ao seu discurso revolucionário, pois ele é menos importante do que sua avidez pela valorização dos Bitcoins e a violência desmedida demonstrada para acumular esse dinheiro. E quando o plano maligno finalmente é posto e prática, Danielle vira essa presidente que exibe dúvidas e fragilidades como se fossem protocolos burocráticos apenas para evitar de se transformar numa personagem sem qualquer camada psicológica. Mas isso tem tão pouca relevância quanto a necessidade de se reconciliar com a filha, os esforços do marido e o heroísmo real do agente latino. No apagar das luzes, o importante ao filme é garantir que a presidente dos EUA lidere esse mundo. Nada mais.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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Marcelo Müller
4
Leonardo Ribeiro
4
MÉDIA
4

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