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Crítica


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Sinopse

Três amigos de longa data se deparam com a iminente venda da galeria na qual trabalham há anos no bairro de Copacabana, no Rio de Janeiro. É então que um deles encontra um baú repleto de substâncias alucinógenas, cujo tráfico pode ser a solução para os problemas financeiros do lugar. Mas, nem tudo é tão fácil assim.

Crítica

Não é verdade que os críticos de cinema desgostam sempre das comédias brasileiras. Aliás, para começo de conversa, seria essencial não generalizar isso de “os críticos”, pois tal grupo é heterogêneo e, tendências à parte, feito de pessoas com gostos, conhecimentos, vivências e percepções bem diversos. Mas, há uma convenção rançosa que pressupõe a distância entre o público e os especialistas quanto aos filmes populares. O problema estaria no nível de exigência? Na incapacidade de certos conhecedores de reconhecer os méritos de algo que visa se comunicar com uma plateia extensa? Bom, essa reflexão é vasta e fica para outro momento. Galeria Futuro é uma comédia que inegavelmente parte da vontade de estabelecer elos com uma fatia ampla e diversa de espectadores. Primeiro, por ter no elenco nomes nacionalmente conhecidos em virtude de trabalhos televisivos; segundo, por utilizar um humor de fácil e rápida assimilação; terceiro, por brincar com signos acessíveis a boa parte das pessoas; quarto, por transitar entre formas distintas da comédia para expandir ainda mais esse seu alcance. E, felizmente, os diretores Fernando Sanches e Afonso Poyart não fazem tudo isso como fruto de uma mera concessão às imposições do mercado. Eles utilizam personagens com os quais facilmente podemos nos identificar, num contexto que diz muito sobre a atualidade. E não subestimam nossa inteligência.

Galeria Futuro começa desenhando o cenário e inserindo os personagens nele. As situações são contadas por Valentim (Marcelo Serrado), narrador supostamente póstumo – nos moldes do machadiano Memórias Póstumas de Brás Cubas. Como ele teria morrido? Essa é uma questão a ser respondida somente no encerramento da trama. Então, calma lá. O sujeito tem dois melhores amigos, Eddie (Ailton Graça) e Kodak (Otávio Müller). A trinca trabalha numa galeria decadente de Copacabana, na zona sul do Rio de Janeiro, um espaço que viveu seus tempos áureos entre os anos 1970 e 1980. E os personagens carregam consigo um apego ao passado que às vezes pode soar como bem-vinda resistência à acelerada obsolescência das coisas, noutras como uma luta inglória contra o futuro que atropela como se fosse uma locomotiva. Valentim é o gerente (e único funcionário) da locadora de filmes. Eddie tem um estande de mágica no espaço privilegiado desse centro comercial pouco frequentado. Já Kodak vende câmeras, filmes e demais materiais fotográficos analógicos. Portanto, não se trata apenas de um espaço físico que sofre com a voracidade do consumo pelas novidades. Esses três sujeitos não conseguem pensar no passo à frente, pois ancorados na época em que "bombavam". O filme não é um estudo austero da atualidade político-social-comportamental, mas uma esperta brincadeira.

Então, Fernando Sanches e Afonso Poyart partem da inadequação aos novos tempos para apresentar aos protagonistas uma encruzilhada fundamental: a galeria está falida, prestes a ser comprada por uma igreja evangélica (alô, alô triste realidade). Como eles sobreviverão ao fim desse lugar que acolhe a sua incapacidade de seguir adiante? Antes de qualquer coisa, é interessante como o roteiro estabelece outras fricções entre o considerado ultrapassado e os signos da atualidade. Dudu (Taumaturgo Ferreira) é contemporâneo de Valentin, Eddie e Kodak, mas faz sucesso por transformar os “obsoletos” discos de vinil numa febre vintage com a ajuda das redes sociais (ele sabe combinar passado e futuro). Já Paula (Luciana Paes) é a subcelebridade que monta um salão de beleza com o valor arrecadado num reality show em que tinha de desviar de pedras numa casa de vidro. Aliás, a atriz é o destaque do elenco com sua caricatura muito bem construída da emergente que acredita piamente em ser célebre por ter se exposto na televisão numa dinâmica um tanto ridícula. E o mais legal de Galeria Futuro é que ele joga com as convenções desse tipo de ocasião. Por um lado, segue um itinerário comum (no fundo do poço, eles descobrem algo que pode ser a salvação, vem a euforia e logo depois o milagre cobra seu preço). Por outro, há a partir disso a brincadeira formal com o próprio cinema.

Uma vez estabelecida a situação deflagradora (a venda de drogas milagrosas que podem cobrir os rombos da galeria), Fernando Sanches e Afonso Poyart satirizam grandes filmes – vide o mafioso de Milhem Cortaz, versão destrambelhada e histriônica do Don Corleone da saga O Poderoso Chefão. Mas, justamente quando alguém pensa nas armadilhas à lá Esqueceram de Mim (1990) para a defesa da Galeria Futuro é que essas alusões ficam ainda mais bacanas. O filme supostamente chega a mudar de tom para comportar repentinamente uma luta com espadas samurai que alude a Kill Bill: Vol.1 (2003) e o famoso bullet time de Matrix (1999). Isso, entre outras ocasiões que poderiam acontecer apenas nos filmes ou noutras “realidades” que aqui não serão, sequer, sugeridas para não estragar uma das principais sacadas do filme. Mesmo que certos elementos sejam frágeis, tais como a mudança do personagem de Taumaturgo Ferreira (que entra meio a fórceps no grupo), e que situações sirvam mais ao efeito cômico imediato do que à história propriamente dita (os idosos dançando lépidos e fagueiros depois de tomar a tal pílula da felicidade), o resultado é saboroso, especialmente aos apaixonados pelo cinema. De certa forma, os realizadores se reportam à chanchada (bastante negligenciada por boa parte dos críticos da época) ao metabolizar o amor pela Sétima Arte e transforma-lo em sátiras que expõem aspectos da brasilidade pela subversão de conhecidos filmes gringos. Algo que Carlos Manga tinha feito bem nos anos 1950, elevando as comédias populares a outros patamares.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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