float(4) float(1) float(4)

Crítica


6

Leitores


1 voto 8

Onde Assistir

Sinopse

Mundialmente famoso por odiar segundas-feiras e amar lasanha, o gato Garfield está prestes a ter uma aventura ao ar livre quando ele e seu amigo canino Odie são forçados a sair de suas vidas perfeitamente mimadas para se juntarem a Vic em um arriscado assalto.

Crítica

Saído diretamente das tirinhas criadas nos anos 1970 por Jim Davis, Garfield é o suprassumo da preguiça e do sedentarismo felino. Gato laranja que assume (com gosto) a alcunha de “bichano doméstico”, ele passa seus dias sendo mimado pelo tutor humano, Jon, e paparicado por seu melhor amigo canino, Odie. Em Garfield: Fora de Casa, animação em 3D, ele é obrigado a confrontar coisas incômodas do passado, especialmente o fato de ter sido abandonado pelo pai num beco escuro durante uma tenebrosa noite chuvosa. Aliás, há uma espécie de prólogo no longa-metragem que serve para introduzir o protagonista às novas gerações, no qual é resumido o primeiro encontro com Jon, a fome desenfreada e a imensa propensão a ser mimado. No entanto, o peludo mais ocioso da cultura pop é convocado à aventura depois de ser sequestrado para ajudar a pagar uma divida de seu pai. Mesmo que estejamos falando de uma produção indicada às crianças, por isso leve e sem compromisso com uma abordagem adulta dos temas apresentados, é interessante que a trama utilize como motor narrativo essa ideia de um filho abandonado sendo obrigado ao movimento (que certamente o desagrada) para ajudar a reparar os “pecados” do pai com quem não tem qualquer intimidade. Sem saída, Garfield, Odie e Vic, seu paizão com jeito de rueiro malandro, precisam invadir uma fazenda e roubar galões de leite.

O cineasta Mark Dindal equilibra bem a superficialidade de uma aventura para ser consumida de maneira ligeira, a fim de gerar divertimento, com os elementos que caberiam ainda melhor numa produção de fundo dramático. Obrigado a deixar para trás Jon e seu cotidiano de visitas frequentes à geladeira durante a madrugada, entre outras regalias, Garfield inicialmente nem quer saber das explicações do pai penitente pela ausência. Machucado pelo abandono de anos atrás, o protagonista rechaça qualquer contato mais próximo com esse gatão enorme que vem cheio de lorotas para o seu lado. De toda maneira, ele é arrolado no plano de vingança de uma felina cheia de capangas caninos. Como citado anteriormente, o protagonista não tem escolha, então resta a ele tentar, do melhor jeito possível invadir a fábrica dedicada a laticínios, rompendo um fortíssimo esquema de segurança para realizar o improvável e voltar rapidamente ao seu sofá hightech. A missão é uma desculpa esfarrapada para a reconciliação familiar. Ela existe para que Garfield e Vic se entendam e, apesar da meia década de distância, tenham uma segunda chance de integrar a mesma família. Curiosamente, nada é dito sobre a mãe do felino e nem se entra muito no mérito da miserabilidade de pai e filho antes que um abandonasse o outro. O realizador se foca bem mais no filho rompendo barreiras do que nos esforços desse pai distante.

Alguns componentes de Garfield: Fora de Casa poderiam ser desenvolvidos de um modo melhor. O primeiro deles é a inadequação de Garfield numa missão em que precisa de bem mais preparo físico do que o necessário para levantar da cama e ver se está pronta a lasanha colocada no forno. Há até algumas piadas com o sedentarismo do bichano, mas nada que se fixe como algo recorrente dentro do grupo de empecilhos para o protagonista completar a missão. O segundo desses elementos insuficientemente elaborados é a dificuldade para Garfield dialogar com o pai ausente por quem evidentemente nutre ressentimento. Mark Dindal passa rapidamente por esse desconforto em diversos instantes, mas nunca parece disposto a mergulhar nos entraves para que Garfield e seu pai colaborem dentro de uma perspectiva agregadora. De determinado ponto da trama em diante, o roteiro assinado por Paul A. Kaplan, Mark Torgove e David Reynolds assume a estrutura dos filmes de assalto, aqueles em que gatunos com habilidades específicas juntam forças para realizar uma proeza praticamente impossível em grupo. No entanto, essa correlação entre a missão de roubar o leite e a tradição dos heist movies é muito superficial. Quando muito são mostrados o plano, os obstáculos e a execução que obriga os assaltantes a improvisar. Ir mais a fundo nessa utilização de um modelo tradicional poderia melhorar as coisas.

Mas, como citado anteriormente, Garfield: Fora de Casa tem sempre no seu horizonte particular o fato de ser um filme para crianças. Claro que é preciso calibrar as coisas para se adequar ao alcance do público-alvo. Disso não há dúvida. Mas será mesmo que acentuar a filiação à tradição do filme de assalto, bem como imergir um pouco mais na incomunicabilidade entre o pai ausente e o filho carente comprometeria o potencial de diversão? Especulações à parte, a aventura em si é bem desenhada, com a inclusão do mentor plenamente consciente sobre o funcionamento da instalação a ser arrombada, Jon tratado como figurante de aparições bastante esporádicas, e tudo caminhando para somente a vilã se dar realmente mau no fim. Se há algo que podemos extrair da lição de moral contida nessa nova animação protagonizada pelo felino mais famoso do mundo é que nem sempre sabemos dos cenários completos, o que torna o nosso julgamento das pessoas (e dos gatos) uma tentativa frágil de edificar algo, sobretudo, a partir de fatos desagradáveis. Garfield passou a vida toda ressentido ao lembrar de seu abandono na noite chuvosa em que felizmente conheceu Jon. Mas, será que ele tem todas as informações para classificar a atitude paterna ou se agarrou na mágoa para dar algum sentido, mesmo que torto, à sua vida até ali? E esse aprendizado superficial até que combina bem com a ligeireza da ação.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
avatar

Últimos artigos deMarcelo Müller (Ver Tudo)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *