Crítica
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Sinopse
Julie é uma jovem perspicaz que tem seu próprio manifesto: não fazer nada. Mas, ela conhece Agnes, enfermeira casada e mãe que faz de tudo para se encaixar nas expectativas da sociedade. Juntas, as duas serão revolucionárias.
Crítica
Interessante o título nacional desse longa que marca a estreia da realizadora alemã Elisa Mishto no formato. Até então, a cineasta havia dirigido apenas documentários, curtas-metragens e projetos para a televisão, sem um envolvimento direto com a ficção em um âmbito estendido, tal qual investe nessa sua mais recente incursão por trás das câmeras. E se Garota Inflamável implica numa sensação de urgência e perigo, essas são percepções que, ainda que permaneçam com o espectador a partir do real entendimento que movem tais personagens postas em cena, se faz necessário também compreender uma outra necessidade, de abraço e aceitação. No original, Stillstehen pode ser lido como Permaneça Parado (Stand Still no inglês). Indicativo de um momento em que o não fazer pode ser muito mais revolucionário do que discursos empoderados ou ações agressivas. É o acesso por uma passividade não alheia ao que se passa ao redor, mas, pelo contrário, tão ciente do contexto que, ao invés do confronto, opta pelo envolvimento. Tal qual o filme em questão diante de seu espectador.
O fogo apontado pelo batismo brasileiro está do início ao fim da trama, seja de forma literal, como em um instante de aparente destempero, mas também nas implicações provocadas por gestos e atitudes que, se vistos como aleatórios no início, logo revelarão suas reais intenções. Julie (Natalia Belitski, de Stefan Zweig: Adeus, Europa, 2016) tem, aparentemente, a vida ganha: posses deixadas pelos pais lhe garantiram uma sobrevivência estável, e por isso decide aplicar em si um manifesto que acredita ser a forma de combater essa inevitável imobilidade: a proclamação do Nada. Não trabalha, não se envolve com ninguém, nada lhe afeta e nenhum plano para o futuro ocupa seus pensamentos. Assim como qualquer atitude pode lhe ocupar não mais do que os instantes exigidos pela sua execução, sem reflexão ou consequências posteriores. É uma forma singular de encarar o passar dos dias =, distante da maioria, e que, por isso mesmo, exige um preço a ser pago. E esse é o questionamento de sua própria lucidez.
Ao ser internada em uma instituição psiquiátrica, é colocada sob os cuidados da jovem Agnes (Luisa-Céline Gaffron, de E Amanhã... O Mundo Todo, 2020). O fascínio que a recém-chegada passa a exercer sobre aquela que deveria ser autoridade nessa relação se mostra factível de modo quase imediato, e a inversão de responsabilidades irá ditar o andar dos acontecimentos entre as duas. Afinal, aquela no encargo de atender também possui fraturas pessoais, a ponto de ir intercalando de modo cada vez mais difuso as fronteiras entre o íntimo e o profissional, o privado e o externo. Casada com um homem que não a entende, esse sentimento é agravado pela sensação de não ser reconhecida pela filha ainda criança. Não há conexão entre elas, ou ao menos é assim que vê falhar cada nova tentativa de se aproximar da pequena. Como uma estranha no ambiente que deveria ver como lar, irá encontrar abrigo naquela que, ao invés de despertar alerta e preocupação, terminará por lhe oferecer o conforto e o repouso que tanto necessita – uma carência que talvez nem tivesse ciência. Um encontro de párias que irão se completar uma na outra.
Mishto é eficiente em criar esse mise-en-scène entre as duas, e talvez fosse mais efetiva em provocar um impacto insuspeito a princípio caso demonstrasse destreza em manter essa relação no ambiente nas possibilidades, sem incorrer na concretização desses sentimentos. A sequência entre as duas na casa abandonada, quando envoltas por uma piscina vazia, mas repleta de emoções e vontades, é exemplar em identificar não apenas o que nutrem em relação àquela ao seu lado, mais pelo que percebem em falta em si e menos pelo que acreditam ser viável receber a partir de uma ambicionada conexão, algo que ambas, em última instância, sabem ser ausente em seus cotidianos. No entanto, a diretora atravessa esse campo do talvez e decide incorrer no real, oferecendo respostas que mais eficientes seriam caso construídas com a audiência, e não somente expostas gratuitamente. Eis um exemplo de insegurança não das protagonistas, mas daquela por trás das câmeras: se acreditasse mais na sua oferta, não se preocuparia tanto com explicações e se ocuparia com o imaginado, permitindo que as interpretações a partir desse ficassem a cargo dos observadores.
Demonstrando preocupação em atender uma agenda contemporânea e talvez não tão relacionada ao que de fato está por se passar em cena, Garota Inflamável permite que a chama que vislumbra não se contente em apenas aquecer, pois ao se aproximar por demais dessa luz acaba por se queimar. O envolvimento entre essas mulheres seria suficiente para pertinentes reflexões, assim como cada uma possui personalidade forte o bastante para gerar suas próprias indagações. É de se lamentar que tais portas permaneçam não mais do que entreabertas, permitindo um vislumbre que não chega a ser investigado na maneira que aparenta demandar. Há aqui um conjunto que estimula as mais variadas abordagens e apropriações, mas se confirma satisfeito em percorrer apenas o mais seguro e estável desses caminhos. É uma aposta válida, certamente, mas não a única a merecer um olhar profundo.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Robledo Milani | 6 |
Francisco Carbone | 3 |
MÉDIA | 4.5 |
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