Crítica
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Sinopse
Os Von Erich formam uma dinastia no mundo da luta livre. No passado, os membros desse clã comemoraram grandes feitos na modalidade, mas cada vez mais as derrotas vão se somando, tanto nos ringues, como em suas vidas pessoais.
Crítica
Em certo momento, durante o primeiro encontro dos dois, apesar deste ser o início de um possível envolvimento romântico entre eles, Kevin não para de falar dos irmãos e de como gosta de estar em família. Pam, ao invés de se sentir incomodada, demonstra nítida admiração, a ponto de declarar: “você deve sofrer de síndrome do irmão mais velho, pois está sempre querendo defender os demais”. No entanto, o rapaz a corrige, esclarecendo: “não, tivemos um irmão que morreu ainda criança. Ou seja, devo ter, no máximo, a ‘síndrome do segundo irmão mais velho’’, finaliza, em uma risada um tanto constrangida. O diálogo é rápido, quase banal, e muitos talvez nem o dediquem a atenção que, de fato, tal interação exige. Pois é nele que se encontra o cerne da trama de Garra de Ferro. Afinal, apesar do título se referir a um golpe certeiro empregado pelos homens da família Von Erich no ringue – pai e filhos são lutadores profissionais – o foco está nos bastidores, quando em casa e em suas vidas privadas. Tal percepção pode ser levada também ao espectador, que passará pelo filme esperando encontrar algo, mas, ao seu término, o que encontrará são expectativas infundadas. Assim como o longa de Sean Durkin também perde muitas das oportunidades que constrói para se diferenciar de tantos títulos similares que o precederam, e quando a coragem de fazer algo mais ousado enfim aparece, o caminho percorrido gera mais dúvidas do que certezas.
De Rocky: Um Lutador (1976) à Cassandro (2023), passando por O Lutador (2008), O Vencedor (2010) ou Guerreiro (2011), entre tantos outros, sempre que o cinema se dedicou a investigar o cotidiano daqueles que levam suas vidas batendo (e apanhando) para o prazer daqueles que os assistem, em um misto de esforço esportivo e sanha selvagem, conseguiram se distanciar da maioria aqueles realizadores que entenderam que, apesar dos embates violentos responderam pelas passagens de maior tensão, estava por trás destes instantes, nos preparativos e nas consequências, o segredo de uma boa história. Se faz necessário fazer destes dispostos a muito suor e sangue figuras reais, para que não apenas o espectador se coloque ao lado deles a cada enfrentamento, como também se tema pela derrota e vibre por uma sonhada vitória assim que essas se desenhem em seus caminhos. Ao se apropriar da trajetória real dos Von Erich, porém, Durkin tinha dois problemas pela frente. Primeiro, não maximizar a importância paterna e sua influência dos destinos dos filhos. Segundo, tornar cada um destes descendentes – e, ao todo, foram cinco – personalidades individuais, distintos entre si, ainda que almejem o mesmo resultado. Duas ambições alcançadas apenas em parte.
Quanto à participação do pai, interpretado por um voraz Holt McCallany (Mindhunter, 2017-2019), o cuidado para que sua presença não tomasse conta da narrativa foi tamanho que o efeito foi inverso: se sente falta de maior sagacidade e desprezo por um afeto familiar em nome de um lugar ao pódio. Fritz foi ele próprio lutador, mas nunca alcançou o espaço de destaque que acreditava lhe ser devido. Por isso, dedicou sua energia e obstinação em fazer dos seus meninos vencedores. Independente deles quererem ou não, de terem condições ou não de alcançarem tais objetivos. Tanto é que a prole, apesar de numerosa, vai se desfazendo com o passar dos anos. O mais velho morre ainda criança. Um sofre no exterior, outro enfrenta a tragédia sozinho, um quarto decide que não há mais naquele contexto espaço para si. Quando percebe, o único que sobrou foi Kevin, aquele que nunca foi o preferido, que poucas vezes esteve no topo da lista. Mas é a quem foi relegada a responsabilidade de satisfazer os anseios paternos. Uma escolha que, enfim, lhe é apresentada: atender a esse chamado ou tomar a decisão que, de fato, lhe compete, que é cuidar dos seus e dessa nova dinâmica que construiu longe de todas essas amarras (mais psicológicas do que físicas, que fique claro).
Sean Durkin foi premiado em Cannes pelo independente Martha Marcy May Marlene (2011), e voltou a chamar atenção com o suspense O Refúgio (2020). Em comum, ambos falavam de intrincadas relações familiares, inicialmente descritas de forma idílica, mas que aos poucos vão revelando rasuras mais profundas e potencialmente traumáticas. O mesmo se repete em Garra de Ferro, que guarda mais semelhanças com os trabalhos anteriores do cineasta do que se poderia imaginar num primeiro instante. No entanto, dessa vez o conjunto não se mostra tão sólido e bem sucedido em suas intenções. Com a ameaça apenas anunciada, mas quase nunca vista na prática, resta aos irmãos tornarem evidentes as cicatrizes que lhes foram impostas – o que também nem sempre acontece com efeito. Falta dinâmica entre eles, e não por carência de talento (por mais que Zac Efron, quase irreconhecível como o protagonista, não esteja à altura de Jeremy Allen White ou Harris Dickinson, o trio exibe uma interessante sinergia em cena, ao mesmo tempo em que demonstram um exigido ruído em relação à sensibilidade emulada pelo caçula interpretado por Stanley Simons), mas por uma ausência de equilíbrio em suas participações. É como se, para garantir o protagonismo de Efron, aos demais couberam presenças tímidas, ainda que marcantes.
Se por um lado Durkin não se mostra hábil em equilibrar os elementos que reúne, há também de se debater algumas das suas decisões mais problemáticas. Assumidamente espírita, quando um dos personagens opta por tirar a própria vida, não basta ao diretor e roteirista tornar evidente o bilhete que este deixa como despedida: em um trecho que em nada se comunica com o resto do enredo, o que se vê é um paraíso a sua espera, com os demais que antes partiram o aguardando de braços apertos, como se a paz, enfim, lhe tivesse sido possível. Não há de se condenar o discurso religioso, mas é importante uma advertência quanto a essa exaltação do suicídio, como se essa fosse uma opção não apenas válida, mas também saudável – uma leitura, no mínimo, complicada e passível de muito debate. Dessa forma, Garra de Ferro se mostra não à altura dos feitos destes tipos insólitos, e menos ainda capaz de oferecer a reflexão necessária ao tanto de drama que estes carregaram em suas jornadas. Uma coletânea de oportunidades desperdiçadas, tanto na ficção, quanto em suas experiências verídicas.
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